8 de abr. de 2018

Testamento

Deixo uma salva de palmas,
deixo um relicário de almas,
deixo uma noite de calmaria...

Mas exijo! Queimem prosa e poesia!



Romantismo

I
Corria para o quarto do meu avô. Observava, atento, o ninho de pombos da janela... arrulhavam...
Nas mãos um segredo - réstias de pão. Depois do café sempre tinha uma bossa na vitrola, variava entre o Tom e o João, mas eu gostava, digo, eu esperava o sábado, porque o sábado era dia do Chico. Tia Raquel vinha com minhas primas, com seu 7 cordas, seus dedilhados. Então o mundo era dividido ao meio, portais de luz se abriam...
 II
No terraço havia uma locomotiva. Eu, gigante cruel e demoníaco, trucidava fileiras de soldados de chumbo, barcos de jornal, cacos de tijolo. Nada sobre os trilhos de plástico escapava a seu destino catastrófico... eu só os tinha até a hora do almoço.
III
Pois, imagine! Certo dia, após o culto, voltamos de ônibus para casa. Ficamos com os bancos do fundo, onde, naquela época, era cadeira cativa de fumantes.
E lá estava um. Meus pais cochichavam reprovações como passarinhos trocam vermes, um para o bico do outro. Era um tipo esguio de olhos fundos e claros, pálido... o cigarro dependurado nos lábios, braços cruzados, pernas esticadas...
Trocamos algumas palavras que não recordo. Segundo dizem, convenci o transgressor do pecado cometido, não aquele contra a sua integridade pulmonar, mas o outro, o mais importante! O incômodo aos outros passageiros.
Depois desse dia uma idéia começou a sapatear com suas pernas de aranha na minha cabeça de vidro e qualquer fumante que eu via tornava-se um possível amigo.


Gárgula

Tudo observo do meu lugar altivo,
por mim escoam frias lágrimas celestiais
límpidas e lhanas... Não estou vivo,
nada abala a solidão dos ideais

que na pedra foram eternizados...
Quem há de suportar minha aparência;
aspecto de horríveis gritos dados
em estado de rochosa decadência?

Seis da noite, dobram sinos de bronze,
eu testemunho um crime ao longe... Vejo
amantes encontrarem-se num beijo...

................................................................
Nada transpassa o meu degredo frio,
e para sempre cativo silencio...

Matinal

A vida tem sentido
pra essa velha branca
varrendo sua calçada,
vestida de pelanca...

Eu passo vagaroso
e invejo sua calma,
meu corpo se arrepia
e entedia a minha alma...