8/18/2025

Miosótis

Tensão com alma estendida - 
vizinha da jabuticaba, 
raiz pela água corrida, 
que a sede nunca se acaba,

que te confundo comigo,
se eu fosse mais ido agora,
se eu fosse além do jazigo
da letra que não decora... 

Não-me-esqueças, azulada - 
céu que anoitece marinho, 
pensei: "eu só vinha na estrada?" 
repenso: "não, não sozinho..." 

Resulta irado no oposto
cavalo sem rédea afim
de meter um coice, um gosto
diverso ao verso do fim.

Rasteira na vinha do asfalto, 
na beira do rito que cato
de cócoras, canábico e alto, 
deitando meu anjo no mato... 

8/17/2025

binário

es
 ....ca 
   ......da
de........pa
    gr..........ra
       aus.........o
           pa...........e
               ra............ter
                   o.............no
                       in..............
                          fer..............
                               no.............

8/15/2025

Pâtissière

Para o aniversário de 40 anos da Cris 

Que bolo de beijinho delicado,
servido de equilíbrio e de dulçor.
Quando o mordo, no seu umidificado,
minha alma se enrubesce de pudor.

Minha alma, que me faz sentir amado,
teu bolo, que me toca de fervor,
os dois seguem no baile confeitado,
dançando aquela dança do sabor!...

Mastigo e não me farto, te larico,
repito e não reparto, te dedico
aos Céus nessa ternura de iguaria...

E o doce, quando acaba de repente,
me deixa algum demônio penitente
no inferno de amargar melancolia.

8/14/2025

Avulsos Pós-Punk XIII

I

— Veja bem. O cara comprou um curso para aprender a ler os livros que acumulava! 
– E? 
– Então, ele comprava livros e não conseguia ler, manter a leitura, essas coisas!... 
– Tá, e o que você quer me dizer? 
– Isso! Ele comprou um curso! Um curso! Um curso para apenas ler! 
–... deixa eu te explicar... como falo isso sem te ofender?... 
– falar o quê? 
– ...

II

Pendurados os camarões
no nosso guarda roupa da Shopee,
têm perfume de manga rosa...

enquanto edito isso 

que luz vacilante da janela
refletida na tela
do meu Xiaomi!

III

Chegou a maquininha de lavar
fui logo pegar marreta e ponteiro –
bater parede bater parede bater parede 
para acordar o Condado inteiro...

Joelho de 20, um T de 40, cola tubo,
que me apraz ser bom marido!
Desço as escadas, esqueço algo, subo
e desço as escadas, suado, esbaforido...

IV

— você tá usando fone enquanto ele carrega?
— JÁ OUVIU ANA FRANGO ELÉTRICO?
— tira o fone da cabeça! vai tomar um choque!
— JÁ OUVIU A ANA...?
— você tá ouvindo?
— QUÊ?
— tira os fones!!
— MAS EU TÔ OUVINDO...
— tá ouvindo mesmo? 
— SIM! ANA FRANGO ELÉTRICO!!

disparam talheres projéteis em minha direção
[claque]

8/13/2025

Relax

Pensar em ti somente e não dizer! 
repito para ser memorizado...
Silêncio... faço um verso cochichado
que quase some o som, que quer morrer...

Pensar em ti somente por prazer,
daquele bom prazer que é bem pensado —
que em tempo de partir quer nos prender,
que em tempo de prender tem libertado...

Pensar... isso somente... só isso basta?
Mas nada me responde e me devasta,
nem diz que estou errado, que vacilo...

Eu tento te deixar, eu me ameaço
e ponho o teu silêncio nesse traço —
e finjo ir dormir, assim... tranquilo...

8/11/2025

Me enterre em Inhaúma

de fones...

Se puder, perto da vó Joana,
ou da tia Raquel...
Tendo condições;
um ônibus da Braso Lisboa,
acho que um basta.

Não levem violão,
alguém vai puxar alguma da Legião.
Ponha pra tocar numa JBL;
Revolver dos Beatles,
depois um ao Vivo do Zeca.

Tenha comes e bebes,
caso alguém chore dê cachaça.
Se ninguém chorar
dê cachaça.

Defume, defume a capela,
queime muitas flores de Cannabis 
e incensos com aroma de café.

8/10/2025

é só linguagem, fia

     a       métricamétrica
    r b              r
    i abra         i
   m ab abra m
   a abr b abr a
             a r
               a  
                 s
                  u a
             ca 
                b
                eça.  
                        .
                       .

8/08/2025

III

Entra, Noite! Se foi da casa a luz,
as sombras trocam beijos e insultos
nas cantos invertidos pela cruz,
de gozo por satânicos ocultos.

Espalha-me no piche, no naquim —
truncados os meus braços nós de pinho,
essências de lembranças carmesim
que traz-me no tropel de um torvelinho.

E que prazer dorido a fome canta
mordendo-me na língua em tom tão grave,
tão grave quanto o peito de uma santa
que nunca fora aberto pela chave...

E a Noite, toda em renda, flutuante,
dos círculos de brisa deletéria,
emerge rebordosa e cintilante 
e cobre-me com toda antimatéria!

8/07/2025

Para seus óculos

Voltaste para ler meu corpo inteiro
depois de me prender, de ser quem és...
E agora, que me deste paradeiro, 
mantendo-me pisado por teus pés?

E agora, que contei teu fevereiro,
embora dissidente, mais de dez...
Que importa a quantidade, se primeiro
a qualidade mostra o seu viés?

Que importa o dia do mês ou da semana
pra quem não fez, na vida, mais que os planos,
pra quem não quer saber que tudo engana –

quer sejam desprazeres quotidianos,
quer seja a mesma bossa, a mesma gana –
que importa, para nós, a luz dos anos?

8/06/2025

pq?

pq pq vc quer ser útil
pq
vc       
quer              ?
ser  
útil                ?

8/05/2025

Insolação

Que tenho, que essa febre não desiste?
Que alucino analemas no infinito
da sanha dos seus olhos e acredito 
no verão, que é verão porque pediste...

Que tenho, que confundo se resiste
a mesma febre estranha? Que esquisito —
não vou? — aceito — não quero? — permito —
não sei se é mesmo amor, se o amor existe...

Ah, céu! Por que não cai? Por que me luz
tão vivo, que mais vida reproduz 
em tudo que me fere e me aprisiona?

Ah, Sol! Talvez nem saibas que sou teu...
deixa estar — vai passar — aconteceu —
precisando, tomo outra Dipirona.

8/04/2025

para-quedas


                    v
                        e
                    i
                       o
                na ponta
                da língua 
                 dizer-te:       
         — senti tua falta 
                       e
                      foi
                         t
                           a
                        n
                      t
                        o

                no passo 
                o silêncio 
               no espaço 
                      um
                        p
                        r
                        a
                        n
                        t
                        o

8/03/2025

soneto

outro soneto? 
                        não sei,
                                      tem sido falho...
obsoleto?
        pensei,
              e me atrapalho...
              
outro soneto 
                       te dei,
           que       
                  me e s mi ga l     h     o.     .           .

me apaixonei?
                        dancei —
                                    que do caralho!

8/01/2025

Trégua

São dez horas da noite, quinta-feira.
Depois de carburar um mato fino,
dei play no Spotify —  tirei seu pino,
granada defensiva e verdadeira,

e aqui te segurei, nessa trincheira —
e nada de explodir nenhum destino,
e nada a reportar, nada sanguino,
e nada de cruzar uma fronteira!...

Já vamos para as onze. Vamos indo 
sonhar não despertar, dormir sorrindo,
meu coração culpado e belicoso,

ouvir teu metralhar desafinado
tem sido um disparate delicado,
tem sido um desespero valoroso!