25.7.25

Metalinguagem

Palavra por palavra. Tudo dito
na fração dos segundos, um recorte
sobre o que se mantém confesso e forte
e tão contraditório, tão bonito...

Palavra bem pensada, sem conflito,
que vem tão natural, sem passaporte 
na escala musical, dançada à sorte 
do blues desta cintura — requisito 

que atende à descoberta rediviva 
do acorde relicário, que te viza
vibrando nos ouvidos, sem que cale,

mas não sem consentir, tão bela e viva,
que a boca da palavra, assim, precisa,
te chegue devagar, te beije e fale...

24.7.25

Analemas

Que tenho, que essa febre não desiste?
Que alucino catarses no que é dito 
dos teus novos retratos... que acredito
no verão, que é verão porque pediste...

Que tenho, que confundo se resiste
a mesma febre estranha? Que esquisito —
não vou? — aceito — não quero? — permito —
não sei se é mesmo amor, se o amor existe...

Ah, céu! Por que não cai? Por que me luz
tão vivo, que mais vida reproduz 
em tudo que essa dor proporciona?

Ah, Sol! Talvez nem saibas que sou teu...
deixa estar — vai passar — aconteceu...
qualquer coisa tomo outra Dipirona...

23.7.25

Primavera

Existe alguma força devorante
que pode me esmagar o sofrimento?
Um rolo compressor, assim, gigante
que planifique a dor deste momento?

Amor? Quando a certeza é delirante 
e fez do tempo embargo tão sedento?
Amor? Quando a paixão me fez amante
da voz que ouço cantar; a voz do vento...

Seria a dor confessa necessária
para formar a brava coronária
nas ramificações dessa raiz?

E a Primavera diz, toda imponente,
que nunca viu alguém tão insolente...
que nunca viu alguém mais infeliz...

22.7.25

Voragens

Voragens distorcidas que me tragam 
no torque deste amor, nesta loucura
que trama recurvar minha estrutura
nas ondas que nas luzes se propagam,

as luzes dos seus olhos, Noite Escura –
vivendo para os braços que te largam,
seguindo pelos passos que divagam,
perdida nos espaços da procura

do que ao teu lado está, mas nunca vês
nem ouves te dizer, nem contradiz,
nem volta a te dizer mais outra vez

e assim vertendo vai e não te prediz
aquilo que produz o que tu lês,
que não dizendo diz o que te diz...

21.7.25

Frio no Cerrado

Inverno gris fechado, que distinto
desaba sobre o vale e romantiza
a tarde que mansinha vem — me pisa
que mais eu tremo, estalo e sinto 

teu golpe ressecado. Tanto instinto 
me ocorre transversal pela divisa 
e na espinha dorsal se cristaliza,
que a dor me fez melhor e mais sucinto...

Rasga, Inverno Cálido, os instantes
que te conheci as cores cintilantes 
nos traços dessa tela boreal!

Que vingue o nosso amor profuso e franco
nesse deserto agudo de tão branco,
tão branco quanto a Morte, quanto o Mal...

19.7.25

Handroanthus



dedicados ao Sol
Imagem e ação 

Pensar em ti somente e não dizer! 
(repito para ser memorizado)
refaço um verso quase cochichado
que quase some o som, só quer sofrer...

Pensar em ti somente por prazer,
daquele bom prazer que é bem pensado —
que em tempo de partir quer nos prender,
que em tempo de prender tem libertado...

dormir nesse regaço delirante 
que ora torna tudo mais distante,
que ora torna tudo tempestivo;

vencer esse troféu da liberdade,
dizer a quem me mata de saudade
que aquele amor tá vivo e muito vivo!

18.7.25

Stims XVIII

Estou fadado ao feitiço 
de me ver no que saboreio 
e, pasme, tomar como indireta 
aquilo que, tonto, leio! 

E logo imagino o cenário 
em que alguém me põe no meio, 
pasmado e envaidecido 
daquilo que inventei, que creio... 

15.7.25

Stims XVII

Nem melancolia, nem destempero, nem medida
por algum fio... 
Divago ânsias em órbita do abismo mais denso 
de tão vazio... 

Cansei de maldizer o dia que vim a nascer... 
num maio frio  
o Outono a me balançar cantigas no berço —
num tom sombrio... 

13.7.25

O Programador

Acorda Deus, é sábado, vem para fora 
do cobertor Nirvana... presto, seja vivo! 
recola um retrô pôster bem figurativo
no Teu quarto de caos, de estática! Vambora! 

Põe Teus chinelos, verba a Voz, acende o Agora, 
flanela o curvo óculos definitivo, 
encontra em existir Teu cínico motivo, 
dichava Teu badego, vem Nossa Senhora!...

Pois liga o Teu PC que, singular, explode
num boot tão veloz, que distorcendo a luz
imagifica o Tudo com Seu hack mode, 

também vê Teus recados de orações em flux, 
enquanto clica a Terra, e pensa no bigode
do próximo avatar com nome de Jesus!...

5.7.25

Stims XVI

Queria alucinar outra loucura, 
que não esta, 
roubar a pedra mor da ventura 
de uma testa, 

praticar magia mais obscura, 
mais modesta... 
ser não mais que uma criatura 
da floresta... 

3.7.25

Stims XV

O verso que não fiz 
não me diz nada, 
se não fiz, não veio a ser 
e se não há pé, não há estrada.

O verso que te fiz? 
Foi desse jeito:
acordei, tomei café, banho, saí... 
depois voltei com dor no peito. 

19.6.25

Stims XIV

Posiciona-se intrusivo, velhaco, urticante, cínico,
estrategicamente nas quinas etéreas
onde me cai todo nexo, 

esse susto, esse sopro, esse topo, esse tapa
que derruba o número oito 
recurvando o som do sentido. 

18.6.25

Stims XIII

Mimético inveterado, 
imito aquilo me apraz
ou seja; um doido dado
àquilo que um doido faz, 

por esse meu repeteco 
que rapto, que confisco, 
que desdo australopiteco 
arranho parede e disco... 

8.6.25

À Manicure

Em teus ouvidos curam-se as carências
daquelas saturadas das cidades, 
curvando tua coluna, em penitências, 
recontas pelos dedos as idades

que marcam teus horários nas urgências
do teu convento móvel, soledades
que atendes cutilando confidências
distintas, mas iguais em densidades... 

Das cores? Vinte telas que matizas, 
não sem antes moldar em formas lisas;
quadradas, curvilíneas, estiletos 

da prática de antigas outras monjas, 
que herdaste, merecidas as lisonjas
que tingem os teus lindos olhos pretos! 

3.6.25

Manual do Minotauro

Manual do Minotauro  
 
E esse sonho de tiras da Laerte? 
que achado, nele tudo é bem servido... 
a novidade hermética que aperte 
o seu tronxo bolado bem lambido!

Transvó! Certa a poesia que te converte 
nesse teu traço tão desentupido, 
que do ácido me ferve teu "desperte" 
da droga que me faz ser comprimido. 

Eu não sei se ela tá careta agora, 
tanto faz qualé a fuga que vigora, 
só preciso escrever mais uma estrofe... 

E que mulher, que artista, que gogó! 
nem Moebios Madureira, seu xodó,
deixou tão belo e vasto estrogonofe! 

13.5.25

Stims XII

Toda semana vasculho
nessa estreita plataforma
não o poema, mas a poesia:
essa que não se conforma,

essa que, cosmopolita, 
pretende evocar e morrer, 
té penso ser melancolia 
o que a rigidez vem reger. 

4.4.25

Stims XI

Da sensação o tempo percorrido
de quando os átomos chocam 
no afeto prazeroso e mantido
onde os dedos curiosos tocam...

Das ondas de acordes dissonantes
que vibram cordas de tessitura, 
no sexo que nos esconde instantes - 
permanência rara de textura!... 

13.3.25

Stims X

Cataplat! Estouram estilhaços
de confetes palavrões confusos
do eu lírico - patrão desses palhaços
que não têm nenhum dos parafusos...

Granada! E lá vai bomba - aplaudem
ao me explodir de raiva, mas poética - 
Ora, Sol! Que teus raios me saúdem
no fim dessa atração patética! 

12.3.25

Jacaré

Flutua o trem, compassa
embora ninguém faça 
menção de perder fé, 
depois de Del Castilho 
retorna à casa o filho:
teus trilhos - Jacaré! 

No Jaca que eu cresci 
de tudo quase eu vi, 
mas sem xisnovear, né? 
Eu lembro de um vizinho 
que teve um fim sozinho... 
teu forno - Jacaré! 

Que boldo perfumado! 
Incenso que é tragado
no encanto do oboé,
na feira tem farinha,
tem pedra e barraquinha
de flor prensada até...

Na Bêra do rio verde
qualquer herói se perde, 
té mesmo Ivanhoé, 
se rende e nada vê
Ricardo não-sei-quê - 
Saudades, Jacaré! 

11.3.25

Stims IX

Saturno, o senhor tem fome?
Tal de Goya te postou na Espanha,
não te culpo, mamãe me consome
fritando minha carne na banha...

Sofres de fúria, ah! Sartuninho
girando anéis de grã deidade,
teu outro nome? Eu adivinho:
Ansiedade! Ansiedade! Ansiedade!