julho 19, 2025

Handroanthus Albus

Ou poemas dedicados ao Sol
 
Jamais direi, não mesmo. Se disser
do arrepio adocicado que provoca
a simples assonância da tua boca,
que diz-me tudo aquilo que se quer.

Não digo, e sem dizer nada sequer
lacuno uma certeza que me choca,
e o quadro que te beijo se desfoca
na lente do silêncio que é não ter.

Espero que desflore a primavera,
que agora furta cores de quimera
no lance que acontece — que castigo!

Que néctar de sol borboleteio!
Que febre, que luxúria, que tonteio!
Que nunca te direi, que te não digo...

Carta XI

Certo de que lhe prometi resignação versificada, procuro entre os arquivos daqui, dali e pronto! Documento lavrado no cartório Angenor de Oliveira, que descreve: 
"Para todos os fins, seja dada a proibição contínua de escrever-te ou descrever-te, até a segunda ordem." 
Porém, arrisco-me, subversivo do verso, no disfarce de prosaicas imagens discursivas. Claro que tomei a liberdade de simplificar os termos jurídicos, dado o teor confessional desta prosa, que se sabe limitada e hermética para os emancipados poéticos. 
À mesa, sob a bênção lunar, sentamos na partilha do silêncio. Há qualquer humor infeliz que te escolta, um cheiro peculiar, além do costumeiro de mentiras. Embaraçado, tento decifrar-te, já que para os autos do ofício, ainda posso fingir-te Esfinge, e como mentiroso igual, te absolvo, te pondero, mas não me devoras...
E nada mais. Concluo o caso como o arquivo: "indefinido". Tudo bem, ameríndia lânguida. Quaisquer que sejam tuas queixas, existe um raio de sol por onde a glória da guilhotina desce sua bênção avassaladora e, Tupã o sabe: desde moço o meu pescoço pontilhado espera, ultra-romanticamente, pelo golpe transcendental!
 
Sem mais, do teu escrivão submerso 
e náufrago do abismo.

julho 18, 2025

Stims XVIII

Estou fadado ao feitiço 
de me ver no que saboreio 
e, pasme, tomar como indireta 
aquilo que, tonto, leio! 

E logo imagino o cenário 
em que alguém me põe no meio, 
pasmado e envaidecido 
daquilo que inventei, que creio... 

julho 17, 2025

Ode ao Fogueteiro

Salve, moleque - 
canela russa, 
cara de qualquer coisa, 
estagiário do Movimento. 

Acende o de 12 
e corre, não, 
e voa
antes que sua mãe chore... 

De radinho na esquina 
vai avisando, 
vai zolhando, 
vai fumando, 
vai contando, 
vai comprando quentinha... 

Salve, de menor, 
com a cara de ruim, 
invisível, mas ruim, 
que se vê só quando é ruim, 
que ilustra capa, 
que vende matéria, 
que não tem matéria.

De radinho na entrada, 
fica segurando, 
fica aprontando, 
fica não sonhando, 
fica e vai ficando... 

Salve, cheira-cola! 
que te deram
teu ferro agora, 
que pra ser homem tem hora, 
que te deram sentido
na margem do sentido. 

E quando você faz
o que todo mundo sabe
que você vai fazer 
a culpa é só tua... 
A vida simplesmente continua. 

julho 16, 2025

Eu não-lírico

Não confie no meu eu não-lírico, 
que ele não te revela o presente, 
que ele não finge, não mente,
que ele não é.

Não confie no meu eu não-lírico, 
que ele dorme, erra, faz-não-faz,
que ele teme aproximar-se demais
do que ele é.

Ai, meu eu não-lírico vai longe
buscar o dicionário, o dicionário!...
Tropeça — unha encravada — caralho!
que dor! 

Ah, esse meu eu não-lírico, garoto
míope! anedônico! presunçoso!
carne, finito, parco, meloso
de amor...

julho 15, 2025

Stims XVII

Nem melancolia, nem destempero, nem medida
por algum fio... 
Divago ânsias em órbita do abismo mais denso 
de tão vazio... 

Cansei de maldizer o dia que vim a nascer... 
num maio frio  
o Outono a me balançar cantigas no berço —
num tom sombrio... 

julho 14, 2025

notas para o sobrado/gato

tubo de 40
4 joelhos de 40
tubo de 20
8 joelhos de 20
teflon 
cola tubo

2 metros de areia 
2 metros de areola
2 metros de brita n° 2

36 sacos de cimento 
10 sacos de graffilito
1500 tijolos de 30
500 tijolos de 20

cabo 10,0mm duplex 
neutro isolado
50 metros
4 conectores perfurantes
entrada de 70 saída de 10
duas alças
caso seja possível
aproveitar alguma alça do poste

julho 13, 2025

O Programador

Acorda Deus, é sábado, vem para fora 
do cobertor Nirvana... presto, seja vivo! 
recola um retrô pôster bem figurativo
no Teu quarto de caos, de estática! Vambora! 

Põe Teus chinelos, verba a Voz, acende o Agora, 
flanela o curvo óculos definitivo, 
encontra em existir Teu cínico motivo, 
dichava Teu badego, vem Nossa Senhora!...

Pois liga o Teu PC que, singular, explode
num boot tão veloz, que distorcendo a luz
imagifica o Tudo com Seu hack mode, 

também vê Teus recados de orações em flux, 
enquanto clica a Terra, e pensa no bigode
do próximo avatar com nome de Jesus!...