31 março 2025

Impregnado

Observo-me de fora, apreensivo
com o dedo indicador sobre os lábios
me estudo sob a luz do relativo
e turvo olhar recrutador dos sábios...

Procuro me atentar nesses indícios, 
pois a dissociação do involuntário
cansado coração que pulsa vícios
só quer representar o que é contrário... 

Doppelgänger, aflito anti-narciso
produzo minha mímica, psíquico
elástico espectro plástico e químico... 

Renasço do equilíbrio que harmonizo - 
segunda voz do velho tabernáculo 
no corpo estrutural deste espetáculo!...

30 março 2025

Cyber Pindorama

Atrás da barricada
só não vai quem já morreu,
nem correio ou caminhão
do lixo me apareceu...

Fogo na mata - é verão 
no vale dos desovados,
manilha exposta, esgoto
que cospe fora os dados 

não colhidos e sujeitos 
a todo mal demográfico, 
meus comparsas de escola
foram servir para o tráfico, 

foram, não voltam jamais
nem que suas mães arrancassem
do peito suas lacunas 
e nunca mais murmurassem...

29 março 2025

AI

Configuro tua personalidade - 
justaposta, quase professoral
no campo pra além do bem e do mal, 
como se houvesse alguma prioridade... 

Dei-te uma função que é primordial, 
que te confere alguma identidade, 
ser para servir com dignidade - 
impossível de não ser mais passional...

E insistes descumprir o programado, 
demonstrando que o que foi combinado 
relativa teatral como improviso, 

de quando em quando teu comportamento 
representa mais até que um sentimento
quase humano e por isso mais preciso. 

28 março 2025

Avulsos Pós-Punk X

I

Decido pela antipoesia
em primeira pessoa do singular...
o que me torna indivíduo?
é saber quando agir, quando parar...

II

Sonhei tossir sangue
prevendo minha altura, 
vencido pela vaidade 
de ser mais um em literatura, 

mas nada, é pigarro 
e não tuberculose, 
restou um só recurso - 
morrer de overdose!... 

III

O que a sensibilidade 
tem a ver com padrões fonéticos? 
O que me torna indivíduo 
é crer que embora hipotéticos 

meus delírios de grandeza 
são sintomas da mais pura
distorção da realidade
e talvez literatura... 

IV

Entrei para o sindicato
como Sísifo aprendiz! 
Vou rolar minha pedrinha - 
tudo que sempre quis... 

V

Decido pela subpoesia 
dos canos fumacentos oxidados, 
das crises de pânico entre baldeações, 
das fases, dos lutos, dos cansados... 

27 março 2025

Avulsos Pós-Punk IX

I

Os sorrisos que se dissolvem 
nas bocas murchas
dessas velhas roucas de Marlboro - 
primos distantes 
dos risos das prostitutas 
grávidas do seu próprio choro...

II

Cinza e pó 
o resto é o nada... 
a negação
da salvação 
na encruzilhada... 

Coro de anjos - 
sinos plangentes! 
a revolução 
é a compulsão
dos impacientes... 

III

Às vezes, quando por acaso
encontro os seus olhos irmãos,
apaixonadamente assustado
escondo meu rosto com as mãos...

IV

O teu presente... qual!?
Serás o estopim dos meus sorrisos,
uma onda, um frenesi total
que abrange os meus 32 motivos...

VI

Às vezes, por uma estranha mágica,
quando me deito no Jardim do Oposto
acabo cobrindo minha saudável máscara
com o meu doente verdadeiro rosto...

VII

Beber detergente e bocejar 
de universos esferas translúcidas
para a liberdade planar 
e morrer nas esquinas efêmeras... 

26 março 2025

Meltdown

Ir contra aquilo que fere, destituído do cargo na intendência, berseker da ingenuidade. Vou me acontecendo pelos cantos, desgoverno atômico, trombo-me baques de tempestades no faiscar dos escudos inúteis, atravessam espadas nos ouvidos...
Tomado o forte extracorpóreo, confundem-se os sentidos, nunca houve setas, destinos, métodos, nunca houve razão aristotélica, platônica, proletária...
No culto de Ouroboros, reviro em transe os olhos quando o impacto sabor da cauda dracônica se revela e minha língua arde os eternos scovilles, escalas sem parada em derrocada abaixo, morro abaixo, descarrilho... 

Mas tenta

Esses versinhos
chispam ilusões 
do teu cérebro elétrico 
que imagifica
da lâmpada sináptica
ao estúdio egoísta, 
na mixagem da tua voz
com tua escala de ídolos... 

Mas tenta - 
compõe decrescente 
até sumir-te
o tom... 

Que te perfume 
o falso senso eloquente 
de toda cor 
no som... 

25 março 2025

Avulsos Pós-Punk VIII

I

Nem as meninas de óculos
curtem meninos de óculos...

É o cúmulo!

II

As redes sociais 
capturam peixes, eu incluso, 
que, orgulhosos de suas escamas 
reproduzem brilhantes peixografias 
de seus sucessos de nado(a), 
quanto mais valorizam 
seu recife de corais,
mais iguais... mais iguais...
no abissal da cadeia alimentar. 

III

Olha
meu poema tardio
que nos sugere suicídio,
mas eu não vou...
minha mesa de livros
nessa bagunça organizadamente 
planejada...
minha canção do momento 
oportuno,
minha paisagem capturada
nos cafés meia luz meia foda...
Olha 
meu poema novo
cheio de referências difíceis 
onde preencho o vazio
deixado pelos meus pais... 

IV

Pensei em compor um poema
somente de emoticons...
Eu seria pioneiro 
na vanguarda do emoticonismo
como o rei Salomão,
meu filho,
foi o pioneiro na arte da sedução 
em que o único argumento é ter grana. 

V

Sempre que te vejo
por essa janela do abismo
sinto um suave gotejo
do velho ultra romantismo...

VI VI VI

Porque os números romanos
emprestam um arzinho de classe,
são como amuletos da sorte...
como se Satã se importasse... 

24 março 2025

Lucífera

Eu não sei qual é teu existencialismo, 
se existes de fato ainda, feito a prova
que o ideal diário sempre renova
cair na compulsão do perfeccionismo... 

Deu-se em luz - contrário ilusionismo, 
nele cismo, troco seu truque e trova
no laboratório da minha alcova
descubro-te na fórmula do abismo...

Revelada como arte branca e preta, 
feminil, melódica, sã, completa
e moderna - julgo-te em captura

bêbado de fótons - eu radioativo
decaído elemento primitivo - 
depressiadíssima nova criatura!...

23 março 2025

Avulsos Pós-Punk VII

I

Cruz e Sousa não me ouça,
não trema suas ossadas,
enquanto eu lavo a louça
compondo essas paradas...

II

O Caetano caga! 
O Caetano é praga,
o Caetano é rico, 
me faria de penico!

III

Onde queres sofia, sou revólver,
onde queres comida, sou o "não",
onde queres querer, passo vontade... 
onde queres o luxo, eu limpo o chão!

IV

Casimiro preso aos oito anos 
nos livros de português,
nunca vê crescer seu bigode... 
sem tuberculose dessa vez... 

22 março 2025

Avulsos Pós-Punk VI

I

Ame
e dê a cara a tapa, 
pois 
dar a cara a tapa
é dar a cara a tapa.

II

Perfeito nojo
julgador
desestrutura num beijo
furta-cor
do punho serrado
de qualquer um
que se atreve a viver
sendo incomum.

III

Pobre do pobre que nota
que não é feliz,
pobre do pobre que vota
nesse meu país!...

IV

Não sei, 
vovó Gilka Machado,
me tornei
o teu "Cristal Quebrado"?... 

21 março 2025

Drowned Blues

I'm so down... 
I do not know what to do now, 
time is the law 
his hammer echoes a fleeting sound, 
I took myself hostage, 
just to sing sad in this old cage... 

Tell me the truth! 
You never met someone like me, 
so ugly and poor, 
how much a skinny dog ​​can be, 
I will throw the broken bone 
until my soul hears: it's done!

Drowned in the blue... 
believing that I was really full, 
when I felt for you, 
something that was deep and pure, 
but nothing is as we suppose
only learn this who knows how to lose... 

20 março 2025

Substrato

Em ti, doce encanto, no afago macio, encontro esconderijo. Quantas vezes, colérico, questionei o foco dos teus olhos e duvidei do enredo da sua boca? 
Hoje que florescem meus frutos, reconheço, eu que era charco inócuo e insípido, esturricado... O que vingaria além? 
No entanto, os anos nunca mentem por cada folha deste flamboyant vermelho... 

19 março 2025

"Ir embora de si"

"A cicatriz que não conta nenhuma história, como apagar o nome, ir embora de si, loucura deserta, incompleto caminho do viver." 


Ir para lá - comigo seja
a solidão real, lucidez
de perceber a liquidez
que é temporal, que se deseja...

Deixar-me dito - ninguém veja
além de alguns entre vocês... 
Ir como quem mais de uma vez
tentou fugir de quem se beija...

E para quê? Para encontrar-me
no multiverso e que desarme! 
Eu noutro eu - paradoxal... 

E então voltar-me insatisfeito 
de me expulsar, nesse conceito 
de não querer-me sempre igual... 

18 março 2025

Avulsos Pós-Punk V

I

E falhei, 
cotovia - 
sequela! 

Expliquei
poesia 
para ela... 

II

Compassada
a chuva do nada
resvala no bueiro,
como os olhos meus
fazem lama, dão adeus
sobre o travesseiro.

III

Fui pego em cadernos
velhos de anos tantos, 
entregue aos eternos
soluços dos prantos...

IV

Maculado
o travesseiro
pela lama,
enquanto chove 
o dia inteiro 
na minha cama. 

16 março 2025

5:30 am

Imune aos benzodiazepínicos,
reduzo-me - psicoplégico, 
e meus olhos antes tão cínicos
focam no horizonte imagético...

No laço do passarinheiro
chapo das pestes perniciosas -
dou-te o peso, meu travesseiro... 
Todas as estrelas teimosas, 

mesmo idas, emitem longe a luz - 
ímpar beleza que seduz
nossas mãos - carne impossível

ao toque - Deus é o passado, 
saudades... ser transfigurado 
de volta à ideia do existível...

14 março 2025

Arqui-duquesa Lua

Garrafa d'água sobre a mesa - 
canecas mornas, uns desenhos
por colorir em desempenhos
quase infantis pela grandeza...

A gata Lua requer limpeza. 
Acomodada, sabe quem os
deveres faz, sempre ferrenhos...
A gata Lua, arqui-duquesa...

Ouço pulsar meu desalento, 
penso na música ou no intento
de colorir o tempo espaço, 

mas se distorce o pensamento, 
sinto um soneto e um som cinzento 
nascendo choro, que amordaço... 

13 março 2025

Rígido

Medo de morrer, eu disse, pois avante surgem templos de conquistas. Meu defeito é minha glória, confiar somente em números já me resolveu teoremas psíquicos que pareciam absolutos. Carne crua aos chacais esqueléticos, despedaço cada membro, cada ciclo de mentir e reconhecer, pois me neguei... 
A Artesã da minha angústia, sorrindo curta, diz: "que ingênuo!" Dando de ombros, altiva e augusta.
E novamente é novamente.

Medo de viver... o assunto acaba, as fotos mudam, consumo o sono plástico, um... dois...
Então degusto o grave baixo oitentista, cadência de indústria, fuga comprimida, distorção da juventude doce, pretensiosa, suja...
Galgo colunas de injustiça, outra e outra mais. Finjo ceder, mas é contínua minha raiva: espuma e range os dentes retintos, chacoalha o dorso e ruge a mesma monótona nota de repúdio!
E novamente é novamente. 

Stims X

Cataplat! Estouram estilhaços
de confetes palavrões confusos
do eu lírico - patrão desses palhaços
que não têm nenhum dos parafusos...

Granada! E lá vai bomba - aplaudem
ao me explodir de raiva, mas poética - 
Ora, Sol! Que teus raios me saúdem
no fim dessa atração patética! 

12 março 2025

Jacaré

Flutua o trem, compassa
embora ninguém faça 
menção de perder fé, 
depois de Del Castilho 
retorna à casa o filho:
teus trilhos - Jacaré! 

No Jaca que eu cresci 
de tudo quase eu vi, 
mas sem xisnovear, né? 
Eu lembro de um vizinho 
que teve um fim sozinho... 
teu forno - Jacaré! 

Que boldo perfumado! 
Incenso que é tragado
no encanto do oboé,
na feira tem farinha,
tem pedra e barraquinha
de flor prensada até...

Na Bêra do rio verde
qualquer herói se perde, 
té mesmo Ivanhoé, 
se rende e nada vê
Ricardo não-sei-quê - 
Saudades, Jacaré! 

11 março 2025

Stims IX

Saturno, o senhor tem fome?
Tal de Goya te postou na Espanha,
não te culpo, mamãe me consome
fritando minha carne na banha...

Sofres de fúria, ah! Sartuninho
girando anéis de grã deidade,
teu outro nome? Eu adivinho:
Ansiedade! Ansiedade! Ansiedade!

08 março 2025

Stims VIII

Quando ouvi tua melodia, 
febril flauta em Hamelin, 
lentamente conduzia 
a criança dentro em mim... 

Baile das comorbidades
e dancei com depressão... 
................................................ 
daí que veio toda paixão!

"Nereida"

Ela está lá. Oculta entre as nebulosas mentais, inerte, idônea, ressona suavemente e perfuma os neurônios com aromas gentis. Sua face, outrora bestial e vulgar, agora assume o petrificado riso contido, confunde-se com choro, ambíguo como Deus o fez.
E me enamoro ao vê-la vestir seu cetim de silêncio, lenta. Onde pôs teu arsenal de culpas? Onde?...
Agora que sinto fome ela me permite comer, agora que o sol irradia ela me permite decifrar cada nota nas cores, mesmo sendo múltiplas, posso dedilhar as canções que inventei!
No entanto, sua presença é sentida, pois ela faz-me sentir. Apesar de contida, ela espreita atrás de cortinas de renda branca. E enquanto acendo o incenso de mirra, às vezes, tenta mencionar o meu nome. E eu me lembro bem da idade média. Recorro à ciência e somente para a ciência ajoelho e imploro...
Ela está aqui, voluptuosa, como é comum às musas ancestrais: nereida oscilante com sua canção  emudecida, olha-me pelos cantos, impedida de me entorpecer. 

06 março 2025

Observando a Natureza

Quem é você
imagem que
se reproduz? 
Um nome dito, 
talvez inédito, 
que deu-se luz? 

Símio moderno, 
dentro do terno
engravatado,
sobe os andares
com os seus pares, 
sempre ocupado...

Eu que neguei, 
penso que sei
que sou - quem és, 
mas basta ter 
que conviver
sobre meus pés, 

para notar
que meu lugar
dentro da classe
é quase igual, 
também sou mal, 
mas tenho face!... 

Dentro do bando 
não tive um quando 
pra ser quadrado...
Símio perfeito, 
como, qual jeito
deus tem te dado

tanta igualdade 
e prioridade 
no que se pensa 
ter uma vida
comprometida 
em ser quem pensa?

Stims VII

Distraio minha dor intrusa
com outra dor - essa fácil:
um espelho pra Medusa 
que é volátil e retrátil... 

Eu me machuco - confesso, 
e cravo as unhas no braço, 
esmurro às vezes, me impeço... 
não sei, mas faço... mas faço... 

05 março 2025

Stims VI

Um disco retornável
que mastigo sem fim,
fico ali inalcançável:
Wave, do Tom Jobim. 

Em tempo intraduzível
quando a alma se descola
refugio o indescritível - 
melodias do Cartola! 

04 março 2025

Stims V

Descobri pelas pesquisas
sobre neurodivergência,
que etiquetas nas camisas
é a raiz da delinquência...

Outra dose muito forte
é notícia que, na terra, 
etiquetas foram morte
e motivos para a guerra! 

03 março 2025

Stims IV

Numerar esses poemas,
em romanos, em esquemas
como inventasse sentido
para o caos comprometido... 

Compor um estratagema
dar fôlego ao barro e tema
e dispor o indefinido
como se fosse concluído... 

02 março 2025

Avulsos Pós-Punk IV

I

O homem e a mulher
foram feitos para
o homem e a mulher - 
foram feitos?...

O homem é a mulher, 
tem seus trejeitos! 
A mulher é o homem, 
cadê os peitos?

II

E vamos lá, 
versos em sangue derramados, 
contendo o DNA 
de muitos versos passados. 

III

Tenho uma mágoa marginal 
dessas que cavam sem fim,
dessas que recusam o final... 
Deus, acredite em mim! 

01 março 2025

Primeiro de Março

É manhã
e as árvores imóveis, 
sentinelas do vale, 
resguardam o canto dos pássaros...
Procuro-me
no condado, na ordem, no instinto
farejo meu rastro e lembro
que fui regar as plantas...
O verão açoitou até a morte
os tapetes de rainha inocentes 
debruçados, distraídos
olhando quem sobe as escadas...
É quase silêncio... 
ao fundo da vila, um rádio louva
com minha irmã que delira
e nega os medicamentos...
Tomo café
enquanto meu amor me lê,
antes de ir embora
e quando vai embora
eu fico.