Carta III



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Que esta lhe encontre em boa saúde. Trago as novidades de Eros, as palavras práticas dos delírios mais joviais. Minha voz inelegível procura um intérprete para velhas alucinações, arrasto o dorso pelo charco das indagações, mordido, amotinado. Subo mesas de praça e declamo novos salmos aos trabalhadores urbanos, sequestro coretos, assombro gangorras e balanços, corro os dedos pelas grades que circundam tantos edifícios, me enojo de poeira, fuligem, de gente... 
Que delicadeza, não é? Não há escrúpulo em se esconder por trás dessas miragens cômicas, porém tomo um gole a mais, embriago, a mesa não pertence à Realidade. 
Beijarei outra vez teus cabelos, Solidão? Outro soneto para quem, a Morte? Vambora que lá vem o trem! 
Eis outra era. Erguem-se novas divindades com seus pilares bijuterizados de estrelas sobre o tecido multicor das horas, seus olhos quasares lacrimejantes plasmáticos, nordestinos, risonhos, indiferentes ao significado do nosso medo, da ebulição do desejo, do cio, do cheiro dos sexos. 
Olha o assombro das potências exponenciais escravo  de um verso, enquanto derramado todo estupidez sobre alabastro dos seus... 
Neste trânsito insisto na expulsão da alma, convoco a magia espalhando essências tribais. Estendo os dedos vencidos pelo vazio deixado por seus lábios. Rogo a ti, que não és teu corpo, mas um universo em expansão, um infinito passível de toque, vivo. 
Espero agradar com esta performance, não seria possível dizer-te apenas que... 
 
Mande notícias, meu Maná. Eu tenho fome.

A consulta



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Neste quarto que o sol nunca quer,
mudas mãos nervosas nos mostravam 
a matiz roxa que aos lábios davam,
uma dor de arfar o rosicler...

Os vazios venciam cheios de quaisquer
fractais atróficos que inchavam,
pela vida que testemunhavam 
a metástase entre homem e mulher...

"Dor no peito?" Diz o frio doutor. 
"Vai ter jeito?" O interlocutor,
ajeitando as bordas do vestido

que de flores em fundo pastel 
perfumava suas dores no céu,
onde o sol não devia ser erguido...

títulos variados para poemas cariocas



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comando vermelho 
vila mimosa 
vômito no garage 
a braba do jacaré 
fogo no 298
fecha o brizolão 
churrasco de x9
funk proibidão 
buraco do lacerda
ode ao fogueteiro
de bonde pra praia
o que significa apologia 
de ak 47 e de glock 
no gogó da ema
a crise do prensado 
feira de acari
beijo na passarela do nova américa 
bangu de dante
narcocultura propagada 
pó de 20
me enterre em inhaúma 
já é 

para notas antiTDAH



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edição de notas mentais 
esqueleto poético 
mosaico sináptico 
ordem sobre caos 
salvo em nuvem 
motivo para outra tag 
impulso do vício em listar coisas subjetivas 
padrão de caixa baixa
pontuação nula 
evitar o lirismo a metáfora o humor a metalinguagem 
evitar modificar as notas originais 
evitar expor notas comprometedoras e sexuais 
evitar o cinismo 
acenar para o interlocutor de soslaio

XIII



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Aqui deste ocultismo em carne viva
confesso doutra boca o meu desvelo, 
portanto mais vulgar do choque ao pelo
na pele metamorfa e permissiva... 

Nem sangue vence aquela que cativa 
nas tranças ancestrais o pesadelo, 
que dói como se a dor não fosse vê-lo 
distante dentro em outra dissertiva. 

A Lilith urbana não se afeta, 
quando ama se derrama por completa, 
até se transbordar ou se exaurir, 

da estrela do ocultismo te convoco, 
servida dos espasmos que provoco, 
até chegar aos céus e transgredir!...

VII A Sukeban



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Em gangues hemorrágicas se infestam
nos bares dos pretensos monarquistas, 
empunhando suas bokkens entre saias
que longas contornavam toda fúria, 

furavam olhos bêbados, patriarcas 
da tradição nipônica do estupro, 
que gritam reduzidos às suas presas
agonizantes, velhos bem surrados! 

O crime de uniforme feminino;
a violenta rosa mais que o choque
engendra o roubo e a prática do estilo

que curva de joelhos mesmo a vida, 
que finca, que desmembra, que incendeia, 
que não se submete e nem acata... 

O jogo de futebol



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Tinha uns 8 anos. 
era o primeiro dia de escola,
ia sozinho, à beira do rio... 
Até hoje o cheiro de esgoto traz uma nostalgia...

Ia pelos cantos caçando grilos,
tinha muito mato por lá,
muito grilo grande, tinha esperança,
mas só morta, sabia bem 
a diferença da esperança e do grilo, 
a esperança é da noite, as antenas grandes, 
corpo de folha, um verde mais vivo, 
não era tão inocente a crer 
que encontraria esperança naquela manhã, 
mas questionava o porquê do nome:
"Esperança",
será que é porque é verde?
Qual a ligação? 
Não existe esperança azul ou vermelha, 
esperança transparente ou preta... 
E ficava divagando pela beira do rio. 
Até hoje verde é a cor que mais gosto.

Gostava de futebol.
Tinha o time da igreja. 
Claro que pararia para ver
se uns moleques estivessem jogando bola. 
Até hoje não curto futebol...

Primeiro dia de aula,
perto da escola, 
lá vinha pela beira do rio, 
caçando grilo e esperança, 
pensando no nome "esperança"
e em futebol, nas cores, no mato, 
um cheiro de esgoto curtido, 
uns meninos que jogavam futebol, 
parei para ver e foi isso... 

A bola era a cabeça de alguém 
e havia risos, 
cheiro de cigarro, esgoto
e risos. 

Se quer saber, 
passei a deixar em paz os grilos e esperanças. 

Carta II



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Não me vês. Como podes? Qual o sentido de mentir quando a obviedade dos fatos é tão sólida e fria? Ah, quanto mistério faz ninho nessa árvore hirsuta da consciência humana! Veja os ovinhos!
Não me vês contorcer os neurônios em busca do silêncio palpável, de alívio torrente, de alguma voz sincera que não me diga a verdade! Desprezado o signo da minha alma, reclamo o que nunca foi promessa tua, elaboro alusões pretensas, mulambos sinestésicos, tardios, cheios de estéticas rotas, reduzidos ao bocejo do tempo, da grandeza que vence, que abate, que pilha. Admito, vou morrer! 
Outrora a juventude resplendia dulçor e novidade quente, instigante. Ah, a incoerência que se mantinha firme nos cadernos velhos, debatidos, desortográficos, pueris, que descobriste infindos, vivificados. Será que não sei que sou invisível? 
Nunca me viste. O que pensavas emoldurar na tua visão ideal? Algum nativo, idílico e selvagem, cantando palavras de ordem e coragem, olhos em chamas, músculos vibrantes rítmicos, gargantas aos berros nas fileiras da ânsia primeva do combate?!
Não me lês. É fato, mas não desanimes. Nem me julgues ingênuo a ponto de te crer desperta enquanto amputo em fixa desobediência essas e outras orações.
Antes divago. Quem sabe só tu me conheces e ainda mais do que almejo me conhecer. Como dói não ser o sol, a viração, o olho do coelho ou o arzinho cálido do solfejo que te perfuma de nardo e gás carbônico. 

Minha caríssima Madalena, saudades. 

XII



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Serás, talvez, bem mais do que presumes, 
garoto só, Nobre Anto - bronze a pele 
que arriscas, pobre e rude em teus queixumes 
cheios de deboche. Como me repele

aquilo que não tens entre teus lumes, 
que fere a si porque assim se compele 
daqueles quase todos dos cardumes, 
que te destacam lindo, mas imbele... 

Ai, não me chore, que hoje a regra basta, 
que não darei meu peito de bandeja,
pegada por tua birra, charme ou mimo, 

cansei de te dar mole e me contrasta 
o verso que te imponho, que te beija 
na minha própria falta de um estimo! 

Duas tijucanas na lotérica do Matoso



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– Você não notou, Edir?
– Não notei Nilza, o que agora?
– Aquele ali, ali parado de frente pra cá.
– Você fala o da banca de jornal ou o que tá catando coisa?
– Edir, o que está parado de frente pra cá, esquece o outro catador.
– Nilza, aponta quem é!
– O da banca de jornal...
– Que que tem?
– Tão roubando aqui demais, ele não para de encarar. Eu disse à Valentina, minha neta, sabe aquela que chegou de Portugal? Disse que aqui não é de bom tom sair com telefone celular à mostra, ela não me ouve, faz aqueles tiques toques...
– Onde você quer chegar, Nilza Albuquerque de Soares?
– Não é óbvio, só pode ser aquele parado ali! Na certa está esperando vítimas como nós, fácil de roubar, pois vai se dar mal, Edir, deixei os anéis, relógio, celular, colar, tudo no apartamento, de mim não vai ter absolutamente nada...
– Que precavida... mas se ele se enfezar de você não ter nada, pode muito bem te dar um murro, te furar, sabe que eles andam com facas...
– Ai Nossa Senhora! Não pensei nisso.
– Sabe, Nilza, fica tranquila, olha lá ele sendo atravessado na faixa, é só um cego, tadinho.
– Mentira? E eu aqui toda me tremendo.
– Viu, sua palhaça?
– Vi, um preto tão bonitinho!

Carta I



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Antes da palavra não dita, escrita tantas vezes com motivos de carinho. Antes da lembrança predileta, do presente desejado por mérito mais que justo, antes do perfume único exilado nos confins dos teus cabelos limpos. 
Antes do nascer do dia; da força de vontade que impulsiona os corpos cansados; braços insistentes no embalo do corpo quando o futuro é natimorto.
Antes de chegar a tarde, a conversa sadia sobre aquele livro do século passado, o cigarro aceso no cinzeiro, o copo morno, os olhares que se entrecruzam simulando lábios, a mesa com talheres simples e pratos vazios... 
Antes de vingar o fruto da conquista doce no fim de um caminho amargo, humano. Antes de despertar o esplendor do senso empírico. 
Porque não é a melodia nem o silêncio duro, nem as mágoas que se solidificam ídolos, nem cicatrizes que se debatem janelas de inverno, vendavais, propósitos...
Porque não é a falta de certeza que provém de tudo. 

Porque antes de ti, meu amor, eu não era. 

A patroa zona sul



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– O que você tem, menina? 
– Resfriado. O trem tava gelado o ar. 
– E tem ar no trem, é? 
– Tem simsenhora. 
– É bom que desinfeta, né?... mas tem que vir trabalhar. 
– Eu venho simsenhora. 
– Por isso o povo de lá continua lá. Dá uma febrinha já pega atestado, você não é assim não, é? 
– Eu nãosenhora! Eu vim, não vim? 
– Veio, você sabe que não te pago pra descansar em casa só por causa de uma febre de nada... com quem ficou a neném? 
– Com a vó... 
– Certo então, pode começar na cozinha. 
– Sim... 
– O quê? 
– Simsenhora simsenhora... 

VI O Poeta



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Amálgama lisérgico da realidade,
propenso à adicção rotunda dos lampejos, 
que vai negando ir, que subtrai das furnas
sinapses de carne dionísica adentro. 
 
Seguindo a velha escola do amputacionismo, 
malhado como Judas que nunca viu a prata;
vagabo dos vagabos, vestes de barril, 
correndo todo bairro em busca de um perverso... 

Discípulo aberrante que prega o suicídio, 
suspenso tal Jesus, amadeirado e nu, 
tingido de sentir insignificâncias, 

defende eternizar a pretensão risível 
da natureza morta - crivo supressivo 
que tenta refutar entranhas e universos.

Carta XV



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Aqui pretendo esmiuçar, sem perder a pose teatral, essas cartas para ti. Adianto que acendi um incenso de café, seria mais lógico passar um café, porém tenho tido ataques de gastrite; certamente devido à ação dos confetes que equilibram meu sistema nervoso central junto com o café - tive de me abster... ou tive de abster? Frequentemente tem me acometido as dúvidas verbais, inoculado de um processamento lento, paro e foco no horizonte em busca de uma palavra e acabo rolando os cumes das nuvens ou achando ritmo no baile das árvores do vale neblinoso...
Aqui já me perdi, vê? Voltemos ao cerne dessas cartas. Cartas, por definição, devem comunicar algo a alguém e este alguém, por meio da carta, ter ciência do algo que lhe foi conferido, daí responde ou não com seu algo preferido e assim, os dois perseguidores de algo, vão por algum motivo estabelecendo esse escambo persecutório... 
Mas, aqui refiro-me ao leitor(a) deste desumilde contexto: os novos anos 20. A ideia inicial era apenas escrever uma correspondência para seus olhos, insinuando imagens que te provocassem essa coisa de arte que transforma e peretetê pão duro, mas por vezes fui traído pelas musas ou cá entre nós, viajei no purê. Sempre preferi purê à maionese, pois no "Catálogo de  Alimentos, Texturas e Sinestesias" os dois pertencem à mesma classe sensorial, por isso podem ser comparados, sabes que jamais cometeria essa gafe de comparar objetos subjetivos que se significam, essencialmente, nos padrões preestabelecidos, em grupos lógicos diferentes. 
Taí?... Penso que escrever qualquer coisa hoje em dia é um ato subversivo, ainda mais sob a marquise de uma pretensão artística, essa qualquer coisa escrita vira um dado precificado e rapidamente me pego tentando organizar o caos da pós-modernidade... 
Onde chegamos – ler poesia é ser subversivo? Talvez em 1968 nos tempos do baculejo.
Então, me conta, como vai você? Tem lido o quê? Tem lido? Tem ouvido discos novos? Tem escrito suas coisas? Tem se importado com estética, com ética? 
Ouvi dizer que o universo como conhecemos colapsará antes do combinado, é foda. São os tempos líquidos, Bauman isso, Baudrillard aquilo... Chato demais! 

Manual de cultivo



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Antes de tudo escolhi um método. 

Daquela mofada doutro dia, 
despelotando peguei a visão, 
contei umas quinze sementes, 
daí meti a bronca de plantar.

Fui vendo todo tipo de vídeo
de dica, de paranoia
e pensei comigo mesmo 
que o maconheiro
bem que podia gravar noutra hora, 
na que não tiver chapado.

Se liga.
Vai pegando as sementes
e escolhendo as sementes
apertando uma por uma, 
tem que estar firme cada uma, 
encha um copo de água 
e põe as sementes na água, 
dê um tempo de uns minutos 
e depois desses minutos 
vai notando se afundam, 
pegue aquelas que afundam
porque essas são as boas, 
as que boiam ocas não!

Num pote bem lavado
ponha uma folha de papel toalha,
as sementes boas no meio
e molhe um pouco, depois tampe,
ponha num lugar protegido e escuro 
e vai percebendo dia a dia
se brotam. 

Tu tem que dar teus pulos. 

Pesquise um bom substrato, 
pesquise um bom enraizador, 
pesquise um fertilizante 
que seja indicado para flor. 

pesquise a diferença dos sexos;
a planta fêmea e a planta macho, 
pesquise a rega, a questão do sol, 
eu acho que é isso, eu acho.

No quarto à meia noite



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Diz ao Vento: – Carrega-me ao horizonte!
Mas responde: – Quem dera, folha morta...
Diz ao Sonho: – Vem, toca minha fronte!
Que se enerva: – Por quê? Não me comporta... 

Pede à Luz: – Desenluta-me, Caronte!
Ela fala: – Só o dracma me importa...
E suplica: – Cai sobre mim, oh, Monte!
O qual soa: – Teu silêncio me conforta.

Será assim? – Concretizo que obedeça.
Que pretende? – Pilhar outra cabeça.
Que medita? – Na dúvida que enflora...

Será o Amor? – Nunca vi, nem tenho visto. 
Por que mentes? – Talvez porque desisto...
O que é a vida? – Um deus que se devora! 

O Destino



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"Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver, dedico como saudosa lembrança estas memórias póstumas.”

Machado de Assis

Eu tenho um Verme como amigo, 
que sempre ampara meu suplício
quando se chega, meretrício, 
a se enredar no que te digo... 

Verme Destino, não o predigo, 
se bem conheço do teu ofício, 
se vens render da rima o vício
ou vais compor um novo antigo... 

Vejo-o dançar sobre esse lodo, 
a desprezar o Mundo e o Todo, 
moldando Golens para amar-te. 

Teu mal prazer mais nos instiga, 
e nos impõem, logo castiga, 
assim na morte como na arte. 

Apontamentos



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– Aonde é?
– Ali perto daquele moço de bigode.
– Onde mesmo?
– Então, quando você passar pela dona de coque.
– Sim, mas a referência?
– Olha, tá vendo aquele gordo fumante?
– Não, não tô vendo.
– Ao lado daquela puta de mini saia e salto alto.
— A loira?
– Não, essa acha que não está no local...
– A escura? 
– Não, essa está demais no local. 
– Então, seja mais específico.
– Beleza, tá vendo o lixeiro correndo, a caixa do mercado sonolenta, o vendedor de balas paladino, o motorista de ônibus hemofílico, o estudante bolsista, a manicure mãe de cinco, o garçom no primeiro dia de trabalho, tá vendo a velha manca, a coxa, a retinta, a viúva, o velho com a sacola de legumes, com o carteado, com o resultado do bicho, a moça toda de luto, a baiana da feira, o nordestino pedreiro, servente, marceneiro, ladrilheiro, porteiro, brasileiro, o favelado bruto, fetichezado, marginalizado, programado para se orgulhar da própria dor? 
Tá vendo o mendigo maluco, cheirando merda e desprezo, deitado bem no meio da calçada, tá vendo o caramelo lambendo a boca, tá vendo depois da esquina no ponto de ônibus outros perdidos como você?
– Não, não tô vendo não, diz onde fica por favor! 
– Olha, faz um esforço, você tem olhos, diabo!
– Repete que não pesquei... 
– Tá vendo o desnutrido esquálido, o viciado, a horda de crackudos na onda da fome, tá vendo o descaso transfigurado na carne, o Cristo sendo linchado, a zueira dos soldados de Roma, tá vendo o sangue escorrendo sem escândalo na mesma avenida por onde passa o desfile de Carnaval, você tá lendo mesmo esse poema estúpido?
– Olha, não tô vendo mesmo.
– Sabe, irmão, assim fica difícil...

Stims XII



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Toda semana vasculho
nessa estreita plataforma
não o poema, mas a poesia:
essa que não se conforma,

essa que, cosmopolita, 
pretende evocar e morrer, 
té penso ser melancolia 
o que a rigidez vem reger. 

XI



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Envolta de quereres flutuantes, 
recobro amor daquele já perdido 
e como ele tivesse respondido, 
marejo de latências delirantes... 

Em ritmos primevos repulsantes,
dedilho tanto acorde suprimido, 
afogo em tanto azeite desungido 
o cimo de prazeres dissonantes! 

Explodo de urgência descritiva,
por ele que me esquece concussiva,
reverberando baba e compulsão, 

discorro sobre toda solitude,
nesse êxtase da quase infinitude 
que enrama minha boca de amplidão!

A crise do prensado



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Pulei a estação de Costa Barros
pra dar o corre da semana,
peguei o trem sentido Central
e soltei no Jaca, tá ligado?... 

A feira tava malhada e cheia, 
cheiro de amônia, de mofo,
tava galhada, amarronzada, 
tava pelo dobro do que era,
comprei a de vinte, né, 
fiquei meio puto até, 
fazer o que, tá ligado? 

O gosto sujo de mijado, 
no interesse só da venda, 
sem cuidado, violenta 
de teto preto, de brisa ruim 
que não conhece outra opção. 
Daí botei pra ouvir Bezerra, botei mermo... 
Aquele do "É Esse aí que é o Homem" , 
fiz um balão e dei um dois. 
Deu um pigarro desgraçado, 
fazer o que, tá ligado?... 

V O Burguês



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Depois da matinê, no beco podre,
te trombo perfumado em porcelana, 
tentando escapulir por improviso  
ao ver que te propus minha navalha...

De luz lunar tomado, democrata, 
abri na tua boquinha mentolada 
o talho que te ajude na hora sacra 
que tendes a empapar-se do meu nunca. 

Depois de provocar-te o riso horrível, 
te fiz uma cesária com urgência, 
de merda despencaram as tuas tripas... 

Sem mais que te cobrar voltei soberbo, 
dançando pela chuva mais vermelha, 
nutrido do teu gesto de pavor! 

II



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Cavalgando sobre a viração maldita, 
traz aos lábios fresco beijo, sutilmente
emulando um novo amor pra quem medita
deslumbrado, adocicado e adolescente...

Numa treva que entre as trevas é infinita, 
que consome tudo em fome de repente,
estendidas asas de abutre esquisita
que se banha só do sol indiferente...

Tal prazer da carne rasga seu tecido
coligindo o Graal que nunca foi perdido, 
sem matizes, na constância contumaz, 

mas acende sempre o incenso indefinido 
nesse altar deteriorado e desbenzido 
que do corpo se desgraça e se desfaz...

X



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Bendito seja o punho e seu itinerário 
que esmurra todo crente sem acepção;
humilde vaidoso, servo perdulário, 
imagem do Senhor afeito à danação! 

Bendita toda chaga que igualitária 
recobre metafísica a tua infecção;
que fede tão purina a rosa mortuária
da velha idolatria, difusa sugestão! 

Bendita a pouca pena que veste tua sanha, 
retórica da Morte que leva até os teus 
pequenos belos filhos da avidez tacanha;

projetos e construtos desses fariseus
curtidos de tesouros ungidos da banha, 
cuspindo letargias pela boca de Deus! 

Quanto é que custa?



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Quanto é que custa um carrinho de pipoca? 
Dez mil? Cinco mil? 
Você compra um carrinho de pipoca. 
Quanto é que custa o quilo da pipoca? 
Não da pipoca, mas do milho da pipoca. 
O quilo do milho tá quanto, cinco reais? 
Você compra o milho da pipoca. 
Onde que vende mais essa pipoca?
Você encontra onde vende mais pipoca. 
E você põe o seu carrinho de pipoca.
E ali você vai vendendo pipoca. 
Trelelê tralalá. 
Você tira o lucro e o capital da pipoca. 
Com o tempo certo você faz da pipoca
algo que seja mais do que pipoca, 
que seja a meta pipoca, a uber pipoca, 
a pipoca da pausa dramática,
a pipoca do conveniente, 
a pipoca militante, a pipoca anarquista, 
dê um sentido existencial para a pipoca, 
a complexa sofisticada pipoca, 
the best popcorn for all, 
a pipoca do milagre, do conchavo, 
a pipoca do jeitinho, do êxtase, do orgasmo, 
a pipoca da vanguarda do pipocanismo,
a pipoca eleita, fascista e democrática, 
a pipoca socialista, comunista, chovinista, 
a pipoca hipócrita... 
não a pipoca em si, aquela fora do poema, 
essa não vende, não produz ou acumula,
essa não interessa, 
você quer outra pipoca, 
aquela que está na nuvem, 
no subconsciente do impossível, 
a pipoca nirvana,
a única, lendária, épica, rara, 
a pipoca quântica
que é pipoca somente quando se abre a pipoqueira 
e quando se vê a pipoca, 
e não se sabe se é ou não é quando se não vê, 
faça parecer que essa pipoca é pipoca, 
minta até a realidade ceder! 
Então trelelê tralalá,
você terá o mérito da pipoca, 
será o patrão e o empregado da pipoca, 
dormirá e acordará pipoca, 
a pipoca indispensável, 
a pipoca que dentre as pipocas 
nunca será menos, nem o bastante, 
sempre será mais
e seja você também pipoca, 
aí tão somente compreenderá 
o segredo, o mistério, a verdade oculta
de quem levou a vida inteira 
para enriquecer de pipoca. 

Não há pobreza que dure
doze horas de trabalho por dia. 

O primo do profeta Gentileza



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O primo do profeta Gentileza 
é assembleiano; outra raça de profeta, 
gasta um troco com jet preto
e sai de madrugada pra pichar 
pelo Rio... 

O primo do profeta Gentileza 
escreveu no muro 
da SuperVia e do Metrô:
"Só Jesus expulsa o demônio das pessoas", 
no Méier e na Central também,
ele tem fé, 
é dízimista, 
foi batizado, 
todo domingo na reunião do jejum 
fala em línguas, gira no manto
caindo no poder quando passa o anjo... 

O primo do profeta Gentileza 
foi classificado pardo no certificado 
de reservista, 
foi confundido com outro pardo fugitivo 
na abordagem da polícia; o antigo baculejo, 
tomou porrada à beça, 
sujou a Bíblia e o paletó
quando rolou no barro
em frente ao restaurante popular
do centro de Belford Roxo, 
caiu com os olhos abertos, 
Deus o tenha e deve ter... 

O primo do Profeta gentileza 
encheu uns dois ônibus da Flores
e foi enterrado em Inhaúma
no dia de São Jorge. 
Não teve filhos. 

Fim de baile na Concórdia



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Passo rápido.
Acordei atrasado.
Três meninas varrem copos de plástico
no vômito róseo, 
os Meninos do Movimento
ensinam assim - elas brigaram, né? 
agora vão varrer o fim do baile,
putas da vida, ainda na onda... 

Elas carecas,
sem melissas, mas de francesinha,
cobertas de tatuagem e hematomas,
de choro e sangria, 
putas da vida, será que são mães? 
será que já amaram ou será...

Viro a esquina e perco 
o meia-vinte-quatro de 6:30, 
é o que dá pensar o mundo em versinhos...

Soneto



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Se você nunca voltou pra casa
fedendo,
se você não sabe o que é
um trilho de trem enterrado
na rua principal,
se você escreve certinho
e leu alguma bicha empolada
e gringa de nome difícil 
e nunca deu de cara com presunto, 
nem fugiu de blitz,
nem teve a porra de um fuzil no nariz
como despertador,
nem entende do cheiro da pólvora
no sangue, 
nem deu o do cafezinho 
no Detran, 
nem pegou fila em órgão público 
para ter direito de existir, 
nem ficou de xereca
com o resultado da chuva,
se você nunca engoliu a contragosto
a cerveja quente, a segunda-feira,
o seco de ir em pé 
de um terminal a outro, 
se não sabe interpretar 
o tampo de um caixão fechado, 
se nunca ficou de joelhos 
para limpar embaixo dos móveis
que não são seus, 
se a Santa Operação
não tocou tua mãe na escada,
não explodiu na padaria,
no sacolão, na calçada, 
se aí você não se jogou no chão... 
.............................................................. 

Vocal



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Cavernas dentro propaga
hereditária, constante 
a onda que vibra da saga 
a melodia consonante... 

Corpo dos timbres, vestígio 
do choro novo, da clara
tensão vital que o prestígio 
da dor nos toma e declara

escrito o senso que lavra,
nomeia, colore e indica, 
que dá-se em toda palavra 
dotada do que comunica. 

Bateria



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Sincopado 
dedicado 
para te prender, 

baque inchado 
represado, 
bruto de poder, 

velho atrito, 
rito e mito 
puto de bater, 

infinito 
torque aflito 
rubro de verter, 

gordo murro, 
nojo e curro;
crime de prazer, 

débil urro, 
cuspe surro;
tiro de render, 

do arremate 
transe e abate, 
fome de foder, 

do combate 
que retrate
parte do viver, 

primitivo 
golpe vivo 
farto de conter, 

recursivo
compulsivo
riso de sofrer, 

tribal dúbio 
do subúrbio; 
ritmo de arder, 

interlúdio 
que o repúdio 
traz por responder, 

barbarismo, 
belicismo
pronto pra romper, 

paganismo, 
terrorismo 
todo de tremer, 

chaga prima
que se exprima, 
gozo despender 

que de cima 
nos redima 
para nos vencer. 

Baixo



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O calibre grosso
do fundo do fosso, 
soturno esboço, 
betume do troço;

monótono fulo, 
vibrátil casulo, 
volátil adulo
que domo, que bulo;

do medo modorro 
degredo e esporro 
que monto, que morro, 
que surjo socorro;

tirano amigo
que firo, que digo
no fado que irrigo 
no nó do umbigo;

dobrado borrão 
do lábio do não
vingado e malsão 
amado irmão;

conciso no dom, 
afago do som, 
rebolo do tom 
que é vago, que é bom, 

que transo no avanço, 
não calo, não canso, 
abismo que danço 
metálico e manso;

translúcido torvo
que d'olho do corvo 
te trago e absorvo 
num túrbido sorvo, 

que mais reverbero, 
que pronto pondero
contínuo, prospero 
rosnando o que quero;

que pulso e trituro 
passado, futuro, 
silábico e duro
quadrúpede puro!