agosto 07, 2025

Para seus óculos

Voltaste para ler meu corpo inteiro
depois de me prender, de ser quem és...
E agora, que me deste paradeiro, 
mantendo-me pisado por teus pés?

E agora, que contei teu fevereiro,
embora dissidente, mais de dez...
Que importa a quantidade, se primeiro
a qualidade mostra o seu viés?

Que importa o dia do mês ou da semana
pra quem não fez, na vida, mais que os planos,
pra quem não quer saber que tudo engana –

quer sejam desprazeres quotidianos,
quer seja a mesma bossa, a mesma gana –
que importa, para nós, a luz dos anos?

agosto 06, 2025

pq?

pq pq vc quer ser útil
pq
vc       
quer              ?
ser  
útil                ?

agosto 05, 2025

Insolação

Que tenho, que essa febre não desiste?
Que alucino analemas no infinito
da sanha dos seus olhos e acredito 
no verão, que é verão porque pediste...

Que tenho, que confundo se resiste
a mesma febre estranha? Que esquisito —
não vou? — aceito — não quero? — permito —
não sei se é mesmo amor, se o amor existe...

Ah, céu! Por que não cai? Por que me luz
tão vivo, que mais vida reproduz 
em tudo que me fere e me aprisiona?

Ah, Sol! Talvez nem saibas que sou teu...
deixa estar — vai passar — aconteceu —
precisando, tomo outra Dipirona.

agosto 04, 2025

para-quedas


                    v
                        e
                    i
                       o
                na ponta
                da língua 
                 dizer-te:       
         — senti tua falta 
                       e
                      foi
                         t
                           a
                        n
                      t
                        o

                no passo 
                o silêncio 
               no espaço 
                      um
                        p
                        r
                        a
                        n
                        t
                        o

agosto 03, 2025

soneto

outro soneto? 
                        não sei,
                                      tem sido falho...
obsoleto?
        pensei,
              e me atrapalho...
              
outro soneto 
                       te dei,
           que       
                  me e s mi ga l     h     o.     .           .

me apaixonei?
                        dancei —
                                    que do caralho!

agosto 02, 2025

Carta XIII



Lembra?... Aconteceu a matéria física dos corpos orbitando os dias, suspensos no tempo, nos agoras flashes fotográficos. Tudo é esquecível. Tudo é performance, nada escapa, grande Brahma, do fluxo de um meme. 
Manipulo, sugestiono, convenço, dobro roupas embalado pelos discos de conforto, penso: haverá o tempo em que os jovens não entenderão o conceito de um disco e seu contexto? É hoje? Importa? 

Voltaste dos outroras, das miragens curvilíneas, subverteste a boca tradutora do silêncio, impuseste as mãos aos meus enfermos versos e disseste: "vai, e anda!" Então corri por toda Jerusalém louvando Lilith! 
Quando eu dormia com as musas outonais trouxeste teus jasmins, tuas acácias, teus ipês, tuas flores de maio, as tuas, os teus...

Demoro-me, ritualístico, lapidando o subjetivo, fui combatido e decapitado, com os olhos abertos furto os lumes fugidios, as músicas fluviais nirvanizadas, baforo haxixe...
Pequei quando a expectativa era que fosse eleito, digno do arrebatamento, do emprego da palavra, dos infravermelhos e véus químicos que revelam a identidade dos astros, dos planetas em zona habitável, das anãs escarlates, dos campinhos de várzea floridos de ervas vulgares — beijos róseos. Demarco-me fronteiras com bandeiras de sangue e coagulo de mágoas, inoculo alfazemas, sugestões circundantes, transcenderam-me os espectros dionisíacos no éter, dei um gelo em Prometeu e deixei o fogo primo sobre o altar bizarro do mito, intocado, indexado e vetado, dei um block, parei de segui-lo. 

Lembra?... gêiser de brados bélicos ecoando na manhã de sábado, ah, que cheiro de pão! Eis as cruzes nos ombros dos atlas modernos, as entranhas dos titãs aos bicos dos abutres, quanta gula, quantos boletos bancários, quantos quadros abusivos, quantos esgotos boquiabertos, quantos juros e processos, quantos desenhos nus, Lázaros bichados, legiões de arcanjos queer sedutores, esquecimentos clássicos, múltiplos quadros clínicos...

Mas, onde estiveres, que meu amor te acompanhe. 

agosto 01, 2025

Trégua

São dez horas da noite, quinta-feira.
Depois de carburar um mato fino,
dei play no Spotify —  tirei seu pino,
granada defensiva e verdadeira,

e aqui te segurei, nessa trincheira —
e nada de explodir nenhum destino,
e nada a reportar, nada sanguino,
e nada de cruzar uma fronteira!...

Já vamos para as onze. Vamos indo 
sonhar não despertar, dormir sorrindo,
meu coração culpado e belicoso,

ouvir teu metralhar desafinado
tem sido um disparate delicado,
tem sido um desespero valoroso!

julho 31, 2025

Metalinguagem

Palavra por palavra. Tudo dito
na fração dos segundos, um recorte
sobre o que se mantém confesso e forte
e tão contraditório, tão bonito...

Palavra bem pensada, sem conflito,
que vem tão natural, sem passaporte 
na escala musical, dançada à sorte 
do blues desta cintura — requisito 

que atende à descoberta rediviva 
do acorde relicário, que te viza
vibrando nos ouvidos, sem que cale,

mas não sem consentir, tão bela e viva,
que a boca da palavra, assim, precisa,
te chegue devagar, te beije e fale...