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09 agosto 2025

Carta XIV

Ando projetando meu espírito. Daqui dali colhendo, mastigando, refazendo, perseguindo linguagens do metatradutor que almejo.
De manhã, desde que fui ao neuro, fico status: lento (- 10% movimento) (+ 50% percepção), oráculo sustenido, mas desassociado, pulo fora da canção, do tempo, átono. 
Compreendes, eu vejo, julgo ver... suponho tua empatia e confiança, agora que em teus ombros repouso a voz, testo a imagem límpida e a suja, que te insira na paisagem, quando a beleza vier montar o espetáculo de outono. Sempre outono é lindo, mas sem teus olhos é só folha seca, mofo contradito, qualquer alegoria que é finita em si e acontece longe. Livre arbítrio que nada, somente há o que há de ser e sendo basta... basta, né? A beleza não conhece o natural e o fictício, nós que lhe pomos roupas, que escolhemos botas ou scarpins.
O que fizemos nós dois de nós mesmos? Se a vida é isto ou aquilo outro, se lá desce aos círculos de lirismos medievais, se aqui sobe escadas de plasma a dar mata leão em anjo, se em tudo se desdobra  incessante porque, e só porque, estamos vendo, documentando, dando ângulos, profundidade, textura, enquanto somos. Bem, a qual lugar cheguei aqui? 
É próprio dos doidinhos confessar seus vaticínios, o riso nos comove, aguarde o fim. 
Finjo não ser ingênuo, ao menos não em aspectos medianos de ingenuidade. Comprei um Rimbaud seminovo, agora está no centro logístico de São João de Meriti, passando de mão em mão na Abissínia carioca, vou desposá-lo em breve. Verlaine que não saiba, careca fudido!
Já viste o filme Ágora de 2009, com Rachel Weisz? Essa semana fiquei stalkeando Hipátia de Alexandria, como ninguém nota Shakespeare de autor-fantasma nessa história? Então, compus uns decassílabos pensando em ti, espero que goste, mesmo traçando paralelos com outra mulher que foi brutalizada violentamente, goste, ok?
No mais, é isso, meu bem.

02 agosto 2025

Carta XIII



Lembra?... Aconteceu a matéria física dos corpos orbitando os dias, suspensos no tempo, nos agoras flashes fotográficos. Tudo é esquecível. Tudo é performance, nada escapa, grande Brahma, do fluxo de um meme. 
Manipulo, sugestiono, convenço, dobro roupas embalado pelos discos de conforto, penso: haverá o tempo em que os jovens não entenderão o conceito de um disco e seu contexto? É hoje? Importa? 

Voltaste dos outroras, das miragens curvilíneas, subverteste a boca tradutora do silêncio, impuseste as mãos aos meus enfermos versos e disseste: "vai, e anda!" Então corri por toda Jerusalém louvando Lilith! 
Quando eu dormia com as musas outonais trouxeste teus jasmins, tuas acácias, teus ipês, tuas flores de maio, as tuas, os teus...

Demoro-me, ritualístico, lapidando o subjetivo, fui combatido e decapitado, com os olhos abertos furto os lumes fugidios, as músicas fluviais nirvanizadas, baforo haxixe...
Pequei quando a expectativa era que fosse eleito, digno do arrebatamento, do emprego da palavra, dos infravermelhos e véus químicos que revelam a identidade dos astros, dos planetas em zona habitável, das anãs escarlates, dos campinhos de várzea floridos de ervas vulgares — beijos róseos. Demarco-me fronteiras com bandeiras de sangue e coagulo de mágoas, inoculo alfazemas, sugestões circundantes, transcenderam-me os espectros dionisíacos no éter, dei um gelo em Prometeu e deixei o fogo primo sobre o altar bizarro do mito, intocado, indexado e vetado, dei um block, parei de segui-lo. 

Lembra?... gêiser de brados bélicos ecoando na manhã de sábado, ah, que cheiro de pão! Eis as cruzes nos ombros dos atlas modernos, as entranhas dos titãs aos bicos dos abutres, quanta gula, quantos boletos bancários, quantos quadros abusivos, quantos esgotos boquiabertos, quantos juros e processos, quantos desenhos nus, Lázaros bichados, legiões de arcanjos queer sedutores, esquecimentos clássicos, múltiplos quadros clínicos...

Mas, onde estiveres, que meu amor te acompanhe. 

26 julho 2025

Carta XII

Falta-me o tato social? Dei agora para empacar com o óbvio. Mesmo mascarada entre bits recursivos, a inaptidão me assombra.

Tenho lido contemporâneos, gente como a gente, com o perdão do bordão classemedista. Daí o ceticismo ficou cínico, esfregando na minha cara que essa solidão foi travestida em vaidade. A solidão me cai tão bem. Desafio-te a descobrir donde roubei isso. 

Outro dia fiquei todo todo. Descobri que Nick Drake chupava também drops de amitril... Aquele girafo e suas túnicas de areia! Sempre tento meter o Nick nas indicações musicais, o Pink Moon é lindíssimo, mas pro inferno os jovens e sua fome de segundos, logo eu, que nunca fui jovem, que ainda peço esmola e pão aos cristãos de Alexandria... 

Acharias incrível como farmacêuticos fazem vista grossa nesse lado do Rio. Hoje fui renovar meus votos no rito pós moderno, consegui duas caixas a mais, mesmo explícita a receita para uma de cada, isso me recorda como maldições psíquicas são cada vez mais nicho especulativo para investimento e acúmulo de capital. "Vai, anedônico, hoje é promoção! Aprende a dormir que nem gente!" 

Outro dia li algo num blog literário daqui, mas de lá da terra de Mário de Sá-Carneiro, vulgo Portugal. O poema repintava, jocoso, sobre a visita de dois Baudelaires. Achei graça demais, mesmo o Brasil não tendo dissabores e mágoas de picuinhas com França.  Sabia que nasci no mesmo dia de Mário? Ah, nossa senhora do simbolismo, ainda não me matei?

Desatei um novelo aleatório. Para o bem do tema central,  era melhor que eu fosse linear, que mais bordarei para te entreter?

Outro dia, pensei que deveria existir uma cartilha para expor nossas linhas de interpretação, minha mutação me impede de perceber nuances no elogio que dou e que recebo, malfeita a genética reduzida ao binário - é literal ou escárnio? Na dúvida, fico com o lógico talvez. 

Ah, minha santinha do antissocialismo! Houvesse uma cartilha para tudo, essa corda do universo seria toda aritmética! E sabemos, (piscadela), que não é, né? 


Há tempos não me escreves, que te fiz eu? Acaso não mereço mais não entender-te?


19 julho 2025

Carta XI

Certo de que lhe prometi resignação versificada, procuro entre os arquivos daqui, dali e pronto! Documento lavrado no cartório Angenor de Oliveira, que descreve: 
"Para todos os fins, seja dada a proibição contínua de escrever-te ou descrever-te, até a segunda ordem." 
Porém, arrisco-me, subversivo do verso, no disfarce de prosaicas imagens discursivas. Claro que tomei a liberdade de simplificar os termos jurídicos, dado o teor confessional desta prosa, que se sabe limitada e hermética para os emancipados poéticos. 
À mesa, sob a bênção lunar, sentamos na partilha do silêncio. Há qualquer humor infeliz que te escolta, um cheiro peculiar, além do costumeiro de mentiras. Embaraçado, tento decifrar-te, já que para os autos do ofício, ainda posso fingir-te Esfinge, e como mentiroso igual, te absolvo, te pondero, mas não me devoras...
E nada mais. Concluo o caso como o arquivo: "indefinido". Tudo bem, ameríndia lânguida. Quaisquer que sejam tuas queixas, existe um raio de sol por onde a glória da guilhotina desce sua bênção avassaladora e, Tupã o sabe: desde moço o meu pescoço pontilhado espera, ultra-romanticamente, pelo golpe transcendental!
 
Sem mais, do teu escrivão submerso 
e náufrago do abismo.

12 julho 2025

Carta X

Vem, sumo de caju, conversemos sobre aquilo. 
Eu disse te amar crendo proferir um encantamento medieval, um desejo de que o mundo físico se modificasse, tenho a meu lado o fato neurológico que explica: gente jovem faz merda, fizemos. Era ou não era alquimia? 
Seremos francos, aquele teatro infantil machucou a nós três, que protagonistas amadores! (Aqui, esqueci da quarta criatura, a do teu lado). Dediquei-te sonetos, espremi-te cravos e espinhas da alma, pesquisei-te o custo benéfico das juras, dos modismos contraculturais, dos romances dúbios, apoiei-te quando a tarde veio te apertar num canto. Vê lá, que poemas imensos cheios de erros gramaticais, de miopias e astigmatismos sintáticos, mãos ansiosas em conquistar-te ideal, a mais platônica das patologias... 
Longe de mim me eximir do conceito da culpa, mas na real, me perdoe, eu menti. E nos mentimos. Como bem disseste – nós. 
Não existe amor sem cumplicidade, sem aquela partilha de dor fúnebre ou riso escandaloso de piada duvidosa, sem o verme do bico de um para o outro, como, naturalmente, comem os bucólicos passarinhos. Veja que o exemplo que tive foi o dos meus pais - putz! 
Bem, como todo poeta... não, pera, não serei um canalha desse tipo, mas doutro! Errei e ponto. Penso ter acabado lá, mas talvez eu tenha deixado alguma semente murcha, que brotou uma flor moribunda, que te perfuma com os vapores de Delfos, deixando claro a alusão a algo entorpecente e nocivo. 
Olha, com todo respeito, mate esta flor dos infernos!
Agora, sabendo do peso da sua cruz, exponho-nos, deliberadamente. E digo para não dizer o oculto, aquilo que bem sabes. 
E tu, que chegas por aqui de soslaio, sabes de tudo, insuspeito leitor. Nós não. 
Pense, naquela época acontecia a revolução dos smartphones. 

05 julho 2025

Carta IX

Ao perguntar se estou em crise por qualquer falta minha, quer seja de manejo ou trato correto do verbo transitivo, torna-se capacitismo? Aqui tendo a rejeitar a ideia de dicionarizar a palavra capacitismo. Também estou pelado da vontade de fazer sentido. 
Prestes a conhecer o meu planeta, embora certo que esteja pra lá de Sirius, esquina com Andrômeda, não posso deixar de persuadir a ânsia a calar-se. Meu planeta Crise; luas afetadas, anéis de autoflagelo, atmosfera de bad vibe. 
Defina crise:
Um tardígrado em órbita social pode sobreviver exatamente em quanto espaço-tempo? Mentira, não sou tão resistente, é bem verdade, mas estou vivo, acho... É o que conta! 
Desde sempre imitei os cultos ou os que julgava cultos, na esperança febril de um lampejo, de uma saliva pro meu boneco de barro, para que com essa conquista incorporasse o meu mito de criação, minha start-up ou ONG do verbo. 
Culto ao Cartola, culto a Jesus, culto a Eros, Dionísio, Kali, Shiva, Ogun, Exu, culto a Azazel, culto ao Homo Sapiens, ao Bob Dylan, Patti Smith, Billie Holiday, culto ao Vincent, ao Lambari... Eu sou um idólatra incontido. 
A poesia está na caixa de Schrödinger... O verso-não-verso até que não leiam e o leiam. Abrindo as portas para todos os mundos não possíveis. Vi isso em uma série da Netflix, ou li no Bhagavad Gita?... Tanto fez, tanto faz. 
Agora tudo é crise.
O país acabou.
A paciência ruiu.
A guilhotina emperrou. 
A receita voou pelos ventos de maio e eu não sei a cor da tarja que me pertence.

Então vamos, meu cúmplice, correremos na orla por essa neblina de outono, nada mais será culpa do Homem. 

29 junho 2025

Carta VIII

Sabe, esse tipo de psicose, esse tipo aqui, leva qualquer um a converter-se. Mas eu não. Pergunte a quem for: "ele crê?" te dirão: "ele é quem?"
Atravesso meio Rio até Botafogo. Acredita? Na última eu me abri à doutora. 26 anos a doutora. Residente. Que desespero, meu querido, meu adorável capacete. 
Minha culpa. A doutora é responsável por renovar as receitas da minha irmã. E estava no meio de um surto, não lembro o gatilho, mas explodi no meio do consultório, crendo que aquela residente teria respostas. Qual foi a surpresa quando abri a boca para cuspir meus desejos suicidas pungentes? Ai, perdão, menina. Não quis ofender... 

Já sentiu vontade de dar com a cabeça no maciço? Era prática comum, na longe década, dar murros em aparelhos cansados de trabalhar: "vamos! (porrada) que a novela já vai começar, devia ter comprado uma Sharp!" Não sei tua idade, leitor, será que você lembra? Suponho que sim, mas voltemos à consulta. 

Bem, certamente a doutora residente está cumprindo a burocracia do receituário. Proletária, tadinha. "Daqui três anos sou psiquiatra, lá com 29!" Disse sorrindo, ainda branca demais pra comer tutu. Eu sei, o cinismo em poesia hoje em dia, ouvi de um poeta coach no YouTube, é "cafona, cafona!" 
Conheço meus preconceitos, mas sou levado a crer que neste caso o "tutu" realmente é desconhecido. 

Então meu amor, minha gatinha, veio com umas de que eu preciso mesmo de ajuda. Não! Devo correr nu pedindo pontapés no meio dos olhos! "Um escarrinho por favor, um escarrinho nessa boca que te beija!"
Olha, hoje eu não tô para falenas e acácias. 

Algumas vezes pude até sentir o cheiro de podre, feito um anúncio da profecia familiar. Costumo vomitar nos outros, depois reflito: "é, vomitei..." Como se o óbvio usurpador não se contentasse apenas em dar o golpe de estado no absurdo.

Em agosto faremos a viagem novamente, de trem é lógico, para Botafogo. Sair da minha toca de hobbit é lastimoso, mas que venham as aventuras! 
Fora isso, quitei a geladeira com a rescisão, show, né?
Odeio o LinkedIn! E haverá poema para eternizar esse ódio. 

Domingo. É um mel fechar os olhos, aqui no Condado, e adivinhar em cada canto de pássaro. 

28 junho 2025

Carta VII

Sob signo de Hécate seu servo maldiz a figueira onde os nossos nomes foram rabiscados a lápis d'olho. 
A morte vem remando com sua bengala de foice e ressoam os dobres fúnebres nos seus brincos de bronze, enquanto uma a uma as folhas dessa árvore precipitam em slowmotion, o fundo do inferno fica sem foco, o disco que toca é o Pornography. "Ah, maldita seja, mil vezes mais, demónia nerd!"
Passo um tempo salivando o amargor da sua ausência, "raposa! coruja! safada!" A tua escolha descaminha as minhas cismas, é o torpor onde a entrega do fruto e da flor é antinatural, previsível, anticlímax. "Veja aqui, aponto uma raiz podre, é fungo!..."

Tão relativa é a distância, o deboche, a teoria. Quando me podei crendo provocar saudade, jovial, guardei a voz de qualquer intento senil, fiz o mudo, juntei folhas, poemas em branco... 
Já são tantas estações, tempestades noturnas, gélidas de insônia, alardes emprenhados de inutilidade, poluções! "Socorris! Jesusis Cristis! M'ajudis!" 
Desenho bocas multiformes para texturar janelas fechadas... E é tanto, tanto desabrigo. "Tua culpa! Tua culpa! ansiolítica cacheada!" 

Eu que te devo tudo, reproduzo aqui, pela lacuna que deixaste, esse negativo que ninguém mais sabe(?), colagem de miragem a favor do orgulho ressentido. Está pago e não te devo mais nada, ok? "está cheio! cheio de cochonilhas!" 
Esta fase irá passar em breve, mas enquanto permanece, eu surto, digo, surfo. 

"Se ainda me ama ainda me tem."

21 junho 2025

Carta VI

Há qualquer coisa de abrupta e cortante. (Uma preguiça de rabiscar, descrever... Vamos lá, vamos! ) 
Tem esse clima de asfixia, de bateria 5%. Eu, que já reconhecia nas nuvens o alarde do trovão, acabo atingido facilmente, turvado na tempestade que estronda entre nós, maldizendo cada vez mais o lugar onde minhas mãos não satisfazem. (Isso não ficou tão bom, né? Foi o melhor que pude conseguir, me deixa!...) 
É um luxo esse prazer da ausência, chego a sentir os lábios trêmulos pensando no teu gosto de lichia. (Olha, lichia é uma fruta romântica sim!) 
Posso dizer o que eu quiser, que no mundo em que estamos inseridos os poetas são estrangeiros longínquos. (Egocêntrico? Prove que não!) 
Então, por que você não me traduz? (Embora eu escreva na tua língua, isso de traduzir é bonitinho, vai, tipo entender o idioma dos anjos, metáfora pobre, mas eficaz. Estou longe de um anjo, talvez djinn, não sei, não tenho ascendência árabe, queria ser filisteu, mas nasci em Judá, Saul curtia meus sonetos e solos pinkfloydeanos de harpa... ) 
Há tanta certeza no amor. Pena que não sabes, meu caju, o quanto a vida pode ser cínica, cruel e cara. (Ai, que má, que má!) 
Se nossos lábios se encontrarem, se as estrelas se alinharem, se os deuses de outrora viessem nos saudar, se apenas houvesse uma chance, tudo ruiria desastroso -  castelos de areia, pilhas de pedras, represas frágeis, pontes cariocas, barros nas encostas em janeiro...
(...) 

O amor, minha lacáride míope, é o vulgo do tempo. 
(Uma puta dor de cabeça, cadê Dipirona?...) 
Espero retorno. 
Do teu aluado Don Quixote de la Ganja. 

14 junho 2025

Carta V

Olá, pessoa. Escrevo-te outra vez desta alcova craniana de fumo. Reflexivo, fico a remoer o sentido da tua bondade. Não sabes, mas és inexistente! Mesmo propícia ao toque, és a composição provável da persona que se evadiu dos meus imaturos contos angelicais, te confiro a forma, depois o sopro e por fim te imponho a lei proibitiva, logo mais voltarei com a punição do trabalho, que fará cair o caldo de sal do teu rosto, (embora valorize os fins de semana). Vem, me ame, me invente, filosofie e me mate! 

Acompanho daqui os feitos sublimes do teu intelecto. Que bênçãos tuas mãos, quando, disforme, meu corpo contorcia cada músculo teu, quando era meu prazer não circunscrito tua cabeça em moldes diversificados e a embrionária culpa que te servi no colostro místico, dei-lhe todo o vazio do espaço, como mamaste! 
Que produtivas tuas mãos. Quando o desejo de romper com a ordem levantava a primeira horda de poetas cadáveres e elusivos, viciados em haxixe, ópio, álcool, nicotina, likes, palmas, miséria, dores falsas, sarjetas, flores malignas, liras, cuícas, pó, tuberculoses e fomes, todo meu catálogo de viagens lhe foi oferecido e outras coisas mais, pois a blasfêmia é nada. O convite para dança macabra, o contágio da música, dos rebolos em fodas vagas, das novas maresias corrosivas, dos simulacros da gênese, pinceladas fugazes, tilintar de esculturas do oriente ao ocidente revelavam as maravilhas sublimes do teu estro ou chico, os covens ebulidos... Eu que pari a dança, me arrisco? Não tenho ritmo, iancurtizado, estremelico vergonhosamente. 

Nunca poderás me perdoar, me acredito. Sonhar-te real sob a abóbada celeste é dolorido. Tu, prenhe do que me foi negado, não compreendes quão grave é a maldição desse meu estado divino e grotesco, quero o bom aroma do teu sacrifício, estou esquálido, apático, deprimido, chué... 
O quanto ainda pretendo lamentar, enquanto a vida derrama sobre lábios preteridos o bálsamo ideal dos sonhos? 

Rendei graças, dê notícias, faça milagres, mande um zap!
Aqui da várzea de lágrimas, dos teus em um. 

07 junho 2025

Carta IV

Evite o tédio. Não me leia. Do hematoma daquele pecado faça uma peça, tela a óleo imitando teu favorito pintor, a arte imita a morte, me eternize assim, vestido de bobo, pro diabo! Dê-me teu beijo, minha sativa! Não lhe suporto ver em meus poemas, eles contigo no ninho, dormentes filhinhos! Tu que os acolhe em teu cheiro, ai, se as deidades da Mesopotâmia conhecessem teu hálito – que epopeias, que Gilgameshs seriam heróis de novas HQs de vanguarda, de França, do Japão! Minha secreta Incal! 
Deixe a lembrança para o depois. Soa estúpido isso? Que tal: "um murro é pior que um soco, um soco não tem brilho", te parece aceitável, sofisticado, jazz? 
Eu não barganho com isso de foco, reflexão, carinho, antes de ti eu já era o que sou e pelo que somos fundamos a ponte, atravessemos!
Evite o asco, ler é para os maus, apenas dance. Faça-me ídolo antes que desça o Moisés e suas tábuas da lei e seus chifres, guarde o maná, ignore a ordem soberana de Javé, mas não me leia, não me aponte, não traduza, não invente me procurar em mim por eu mesmo. 
Sim, cogite a troca! Forje o insulto! Tudo é vogal e consoante rodopiando na probabilidade do concurso universal... Sopa primordial de letrinhas! 

Pé no chão, não é? Que vale um punhado de verso?
Ninguém troca café ou pão por redondilhas, ninguém mastiga a camurça dos meus grumos esotéricos. Ah, que eu tramo contra mim, quero dar o golpe, terrorismo! Abaixo o poeta tirano, cocem feridas com cacos de telha, raspem bigode, vistam-me de penas e me afoguem no vinho, garantirei a apoteose, a catarse, sobreviverei culpado antes que me acusem! 
Tem a consulta, diagnóstico, tem a overdose de amor dos girassóis ansiolíticos em vórtice. Será que isso aqui é verdade? Sempre há a probabilidade de ser um caramujo revirando restos na xepa, enquanto passas com tua camisa de Akira, enquanto ouves teus Beatles de merda ou defendes o Araçá Azul, enquanto fazes cosplay de Beatriz ou de Macbeth, linda com seu óculos! Que óculos! Não, sei que não existes! 

Vem, ora comigo! Ajoelhemos de mãos postas, entraremos em comunhão com Kali. É o êxtase! 

31 maio 2025

Carta III

Que esta lhe encontre em boa saúde. Trago as novidades de Eros, as palavras práticas dos delírios mais joviais. Minha voz inelegível procura um intérprete para velhas alucinações, arrasto o dorso pelo charco das indagações, mordido, amotinado. Subo mesas de praça e declamo novos salmos aos trabalhadores urbanos, sequestro coretos, assombro gangorras e balanços, corro os dedos pelas grades que circundam tantos edifícios, me enojo de poeira, fuligem, de gente... 
Que delicadeza, não é? Não há escrúpulo em se esconder por trás dessas miragens cômicas, porém tomo um gole a mais, embriago, a mesa não pertence à Realidade. 
Beijarei outra vez teus cabelos, Solidão? Outro soneto para quem, a Morte? Vambora que lá vem o trem! 
Eis outra era. Erguem-se novas divindades com seus pilares bijuterizados de estrelas sobre o tecido multicor das horas, seus olhos quasares lacrimejantes plasmáticos, nordestinos, risonhos, indiferentes ao significado do nosso medo, da ebulição do desejo, do cio, do cheiro dos sexos. 
Olha o assombro das potências exponenciais escravo  de um verso, enquanto derramado todo estupidez sobre alabastro dos seus... 
Neste trânsito insisto na expulsão da alma, convoco a magia espalhando essências tribais. Estendo os dedos vencidos pelo vazio deixado por seus lábios. Rogo a ti, que não és teu corpo, mas um universo em expansão, um infinito passível de toque, vivo. 
Espero agradar com esta performance, não seria possível dizer-te apenas que... 
 
Mande notícias, meu Maná. Eu tenho fome.

25 maio 2025

Carta II

Não me vês. Como podes? Qual o sentido de mentir quando a obviedade dos fatos é tão sólida e fria? Ah, quanto mistério faz ninho nessa árvore hirsuta da consciência humana! Veja os ovinhos!
Não me vês contorcer os neurônios em busca do silêncio palpável, de alívio torrente, de alguma voz sincera que não me diga a verdade! Desprezado o signo da minha alma, reclamo o que nunca foi promessa tua, elaboro alusões pretensas, mulambos sinestésicos, tardios, cheios de estéticas rotas, reduzidos ao bocejo do tempo, da grandeza que vence, que abate, que pilha. Admito, vou morrer! 
Outrora a juventude resplendia dulçor e novidade quente, instigante. Ah, a incoerência que se mantinha firme nos cadernos velhos, debatidos, desortográficos, pueris, que descobriste infindos, vivificados. Será que não sei que sou invisível? 
Nunca me viste. O que pensavas emoldurar na tua visão ideal? Algum nativo, idílico e selvagem, cantando palavras de ordem e coragem, olhos em chamas, músculos vibrantes rítmicos, gargantas aos berros nas fileiras da ânsia primeva do combate?!
Não me lês. É fato, mas não desanimes. Nem me julgues ingênuo a ponto de te crer desperta enquanto amputo em fixa desobediência essas e outras orações.
Antes divago. Quem sabe só tu me conheces e ainda mais do que almejo me conhecer. Como dói não ser o sol, a viração, o olho do coelho ou o arzinho cálido do solfejo que te perfuma de nardo e gás carbônico. 

Minha caríssima Madalena, saudades. 

21 maio 2025

Carta I

Antes da palavra não dita, escrita tantas vezes com motivos de carinho. Antes da lembrança predileta, do presente desejado por mérito mais que justo, antes do perfume único exilado nos confins dos teus cabelos limpos. 
Antes do nascer do dia; da força de vontade que impulsiona os corpos cansados; braços insistentes no embalo do corpo quando o futuro é natimorto.
Antes de chegar a tarde, a conversa sadia sobre aquele livro do século passado, o cigarro aceso no cinzeiro, o copo morno, os olhares que se entrecruzam simulando lábios, a mesa com talheres simples e pratos vazios... 
Antes de vingar o fruto da conquista doce no fim de um caminho amargo, humano. Antes de despertar o esplendor do senso empírico. 
Porque não é a melodia nem o silêncio duro, nem as mágoas que se solidificam ídolos, nem cicatrizes que se debatem janelas de inverno, vendavais, propósitos...
Porque não é a falta de certeza que provém de tudo. 

Porque antes de ti, meu amor, eu não era.