09 agosto 2025

Carta XIV

Ando projetando meu espírito. Daqui dali colhendo, mastigando, refazendo, perseguindo linguagens do metatradutor que almejo.
De manhã, desde que fui ao neuro, fico status: lento (- 10% movimento) (+ 50% percepção), oráculo sustenido, mas desassociado, pulo fora da canção, do tempo, átono. 
Compreendes, eu vejo, julgo ver... suponho tua empatia e confiança, agora que em teus ombros repouso a voz, testo a imagem límpida e a suja, que te insira na paisagem, quando a beleza vier montar o espetáculo de outono. Sempre outono é lindo, mas sem teus olhos é só folha seca, mofo contradito, qualquer alegoria que é finita em si e acontece longe. Livre arbítrio que nada, somente há o que há de ser e sendo basta... basta, né? A beleza não conhece o natural e o fictício, nós que lhe pomos roupas, que escolhemos botas ou scarpins.
O que fizemos nós dois de nós mesmos? Se a vida é isto ou aquilo outro, se lá desce aos círculos de lirismos medievais, se aqui sobe escadas de plasma a dar mata leão em anjo, se em tudo se desdobra  incessante porque, e só porque, estamos vendo, documentando, dando ângulos, profundidade, textura, enquanto somos. Bem, a qual lugar cheguei aqui? 
É próprio dos doidinhos confessar seus vaticínios, o riso nos comove, aguarde o fim. 
Finjo não ser ingênuo, ao menos não em aspectos medianos de ingenuidade. Comprei um Rimbaud seminovo, agora está no centro logístico de São João de Meriti, passando de mão em mão na Abissínia carioca, vou desposá-lo em breve. Verlaine que não saiba, careca fudido!
Já viste o filme Ágora de 2009, com Rachel Weisz? Essa semana fiquei stalkeando Hipátia de Alexandria, como ninguém nota Shakespeare de autor-fantasma nessa história? Então, compus uns decassílabos pensando em ti, espero que goste, mesmo traçando paralelos com outra mulher que foi brutalizada violentamente, goste, ok?
No mais, é isso, meu bem.

08 agosto 2025

III

Entra, Noite! Se foi da casa a luz,
as sombras trocam beijos e insultos
nas cantos invertidos pela cruz,
de gozo por satânicos ocultos.

Espalha-me no piche, no naquim —
truncados os meus braços nós de pinho,
essências de lembranças carmesim
que traz-me no tropel de um torvelinho.

E que prazer dorido a fome canta
mordendo-me na língua em tom tão grave,
tão grave quanto o peito de uma santa
que nunca fora aberto pela chave...

E a Noite, toda em renda, flutuante,
dos círculos de brisa deletéria,
emerge rebordosa e cintilante 
e cobre-me com toda antimatéria!

07 agosto 2025

Para seus óculos

Voltaste para ler meu corpo inteiro
depois de me prender, de ser quem és...
E agora, que me deste paradeiro, 
mantendo-me pisado por teus pés?

E agora, que contei teu fevereiro,
embora dissidente, mais de dez...
Que importa a quantidade, se primeiro
a qualidade mostra o seu viés?

Que importa o dia do mês ou da semana
pra quem não fez, na vida, mais que os planos,
pra quem não quer saber que tudo engana –

quer sejam desprazeres quotidianos,
quer seja a mesma bossa, a mesma gana –
que importa, para nós, a luz dos anos?

06 agosto 2025

pq?

pq pq vc quer ser útil
pq
vc       
quer              ?
ser  
útil                ?

05 agosto 2025

Insolação

Que tenho, que essa febre não desiste?
Que alucino analemas no infinito
da sanha dos seus olhos e acredito 
no verão, que é verão porque pediste...

Que tenho, que confundo se resiste
a mesma febre estranha? Que esquisito —
não vou? — aceito — não quero? — permito —
não sei se é mesmo amor, se o amor existe...

Ah, céu! Por que não cai? Por que me luz
tão vivo, que mais vida reproduz 
em tudo que me fere e me aprisiona?

Ah, Sol! Talvez nem saibas que sou teu...
deixa estar — vai passar — aconteceu —
precisando, tomo outra Dipirona.

04 agosto 2025

para-quedas


                    v
                        e
                    i
                       o
                na ponta
                da língua 
                 dizer-te:       
         — senti tua falta 
                       e
                      foi
                         t
                           a
                        n
                      t
                        o

                no passo 
                o silêncio 
               no espaço 
                      um
                        p
                        r
                        a
                        n
                        t
                        o

03 agosto 2025

soneto

outro soneto? 
                        não sei,
                                      tem sido falho...
obsoleto?
        pensei,
              e me atrapalho...
              
outro soneto 
                       te dei,
           que       
                  me e s mi ga l     h     o.     .           .

me apaixonei?
                        dancei —
                                    que do caralho!

02 agosto 2025

Carta XIII



Lembra?... Aconteceu a matéria física dos corpos orbitando os dias, suspensos no tempo, nos agoras flashes fotográficos. Tudo é esquecível. Tudo é performance, nada escapa, grande Brahma, do fluxo de um meme. 
Manipulo, sugestiono, convenço, dobro roupas embalado pelos discos de conforto, penso: haverá o tempo em que os jovens não entenderão o conceito de um disco e seu contexto? É hoje? Importa? 

Voltaste dos outroras, das miragens curvilíneas, subverteste a boca tradutora do silêncio, impuseste as mãos aos meus enfermos versos e disseste: "vai, e anda!" Então corri por toda Jerusalém louvando Lilith! 
Quando eu dormia com as musas outonais trouxeste teus jasmins, tuas acácias, teus ipês, tuas flores de maio, as tuas, os teus...

Demoro-me, ritualístico, lapidando o subjetivo, fui combatido e decapitado, com os olhos abertos furto os lumes fugidios, as músicas fluviais nirvanizadas, baforo haxixe...
Pequei quando a expectativa era que fosse eleito, digno do arrebatamento, do emprego da palavra, dos infravermelhos e véus químicos que revelam a identidade dos astros, dos planetas em zona habitável, das anãs escarlates, dos campinhos de várzea floridos de ervas vulgares — beijos róseos. Demarco-me fronteiras com bandeiras de sangue e coagulo de mágoas, inoculo alfazemas, sugestões circundantes, transcenderam-me os espectros dionisíacos no éter, dei um gelo em Prometeu e deixei o fogo primo sobre o altar bizarro do mito, intocado, indexado e vetado, dei um block, parei de segui-lo. 

Lembra?... gêiser de brados bélicos ecoando na manhã de sábado, ah, que cheiro de pão! Eis as cruzes nos ombros dos atlas modernos, as entranhas dos titãs aos bicos dos abutres, quanta gula, quantos boletos bancários, quantos quadros abusivos, quantos esgotos boquiabertos, quantos juros e processos, quantos desenhos nus, Lázaros bichados, legiões de arcanjos queer sedutores, esquecimentos clássicos, múltiplos quadros clínicos...

Mas, onde estiveres, que meu amor te acompanhe.