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Vou indo bem.
Abro a porta tramando talvez duas plantas,
nessas horas em que, simplesmente, 
elas deveriam estar lá.
Do lado de fora perguntam 
se estou dormindo.
Ninguém suspeita do que existe
dentro de um tempo fraudulento
como uma mágoa que insiste
eu tento
e quase por um momento...

São metáforas inúteis que
me caem tão bem – criancinhas
permutam-se psicodélicas
e tomam serenos à noite...
Vou indo bem. 
Rascunho nuvens a lápis 
no meio do plano de fuga,
traço acrobacias por cima 
de telhados coloniais,
antevejo cenas de comédia:
os perfumes se entreolham puritanos,
as bijuterias corruptoras dissimuladas,
papeizinhos amestrados
guardam-me fragmentos asfixiados,
meus gatos, meu orgulho, 
meu deus que perambula...
Que comédia de se rir até das portas!
Um filme mudo que repete um gesto lento
e quase, quase por um momento...
 
Desço por mim em caracóis escadas,
mas esse jogo inútil de mãos
que não me serve equilíbrio
vai contornando o acesso...
Quando o amor é apenas um jogo
deve-se pois amarrá-lo e por fogo,
porque ele se apraz ao deitar o meu corpo consigo
e o meu corpo se deixa cortar pelo melhor inimigo...

Não que me importe a intenção
no alinhamento dos astros,
nem os perfumes das plantas:
obras de algum filantropo,
eu não me desço os degraus
em busca do principado
ou me embebedo das práticas
da irresponsabilidade...
Porque eu vou bem, afinal
permutam-se novas imagens,
chocam-se as sensações
em todos os receptores
e nada me faz repousar
em pastos verdejantes
e todos os lobos retornam
com olhos por cima dos montes...


Eu sou em mim um intruso,
me cobro deslumbramento,
penso que sei me expulsar
de mim em qualquer momento.

Mantra



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Essa lua que já foi dita antes
e essa tarde dos antigos recitais
e essa fumaça impregnada nos cabelos,
nas cores e nas palavras de todos esses
velhos livros que têm tanta serventia –
como a vida tem deixado em olhos cínicos
a marca da esperança hereditária,
como é firme a pele branca do alabastro
que espera por seu cítrico perfume,
como são tristes os espelhos nítidos
e que preguiça nesse sábado enorme,
para quem os sonetinhos de amor
são garantia de entretenimento,
enquanto danço pra chover vem o domingo...
Eu não posso consentir naturalmente
que outro verbo se introduza neste trânsito –
fico truncado e repetindo mantras
aquém da lógica e do alcance de um dardo,
porque não tenho olhos para encarar
mais um verão sabor de envelhecer...

...om eim saraswatiyei swaha
   om eim saraswatiyei swaha
   om eim saraswatiyei swaha...

Paradoxo Pós-moderno



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É impossível ser um poeta
impassível?
É impassível ser um poeta
e impossível.

Casa de aluguel



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Querido Doutor,
receite-me agora
uma via expressa
para tombar
sem passaporte.

Querido Doutor,
o quão contundente
será a demora
daquela pessoa:
a Morte?

Serei despejado da realidade?
..............................................
Por que eu já sinto saudade?

O Próprio



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o homem imã psicoativo
radiofônico e bélico
deus do telefone mudo
comparsa da exigência
o homem-meta aquele
antítese da antítese da antítese
primeiro parágrafo de um plágio
ou o próprio – este ser
que até daria
um belo par de botas

“A Garagem Hermética”



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Enquanto por veredas futuristas
eu me caçava a curto e longo prazo,
em frente das mortalhas imprevistas
daquelas pretensões de lago raso

mergulhei – metal cru na areia púrpura...
Tomei do trem final o risco e a chama,
mantive a desgraçada compostura
cuspindo culpa e tédio e ouro e lama...

Porém até nas práticas cavernas
o sonho de chegar me acontecia
e o rito de passagem era tal

que a porta intransponível quase abria...
Não fossem essas terras sempiternas
no fim de cada quadro natural...

Berenice



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Noite baixa na Rua Sá Carneiro.
Quando eu tragava a minha esquisitice,
corri os olhos e vi... de algum desfiladeiro
chegava Berenice...

O jeans cor de mate, os cabelos pretos,
seus peitos baluartes tonteantes,
seus brincos – aqueles prediletos
que ninguém viu antes...

E me dizia: “fala aí, magrinho!
Que horas são? Que dia é hoje? E de qual mês?”
Eu lhe sorria como um filhotinho...
“Fevereiro – quarta-feira – 10 pras 6.”

Que prazer em sua boca perfumosa!
Embora em tantas outras bocas desperdice
igual prazer de um roxo quase rosa...
Teus lábios, Berenice...

Noite alta... e ainda o mesmo faço...
Cismo na morte... decido ter um gato;
aquele deus remanescente do cansaço...
E, de pronto, ponho o nome de Pacato!...

BANG!..............................
Num segundo a rua toda era só luz!
Como prevendo o lamaçal de sangue,
da janela dona Inês beijava a cruz...

“Esse é o castigo! Vai tarde! Foi o vício!”
Juízes tolos mugiam a quem ouvisse...
Fui dormir lembrando teu ofício –
“té logo, Berenice.”

O Amante Herege



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Castelã dos meus punhais,
onde tens que mendigar
nestas tardes literais?
Castelã, por quanto mais

hoje evitas acordar
a dor que dorme em tua paz?
E retorno a ser teu mar,
num silêncio de amputar...

Ah! provável castelã,
quando foste bailarina
frente às pálpebras de Pã?

Quando assim tão pequenina
escapaste entre a neblina
para ter com teu Satã?...