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Abril, sol, fones de ouvido
derretendo o pior punk rock,
preciso de grana... cama...
de um choque!

E pego a próxima saída?
pra nada
o dia me serve!... Por que
você é tão triste e calada?

Uma coincidência estranha –
tem alguém que deixa pistas
à margem das conspirações
niilistas...

Porém, vou colhendo seus cacos:
rastro musical que acena
à noite.
Teu pio de coruja, tua pena...

1989



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Gisela dos Abrolhos,
quem soube decifrar-te
ao ver como seus olhos
corriam pelo encarte?

Ao ver como escolhos
os versos à la carte –
Gisela, pra seus olhos
era a arte pela a arte?

Erraste pelos portos
citando algum Pessoa,
com seus scarpins tortos
em forma de canoa,

seguida pelos mortos
pedestres da Lagoa,
Gisela Desconfortos,
sapatos não tem proa...

*

Dançavas com a bruma
dos becos infestados,
sorveste toda espuma
dos lábios fermentados.

Não há surpresa, em suma,
dos marginalizados
és mais do que mais uma
que dançou nos dois lados...

Ensaio sobre as Musas



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São sugestões de sintonias cúmplices, 
pois que antes fossem melodias íntegras 
do que esta dose de opioides súbitos, 
do que este roxo sobre veias práticas... 
Se trazem chances ao pior dos tímidos, 
que se acovarda ante a grande dúvida, 
tão logo o traem em promessas sórdidas 
de mais futuros promissores débitos... 
Adeus e adeus – multicurvas pétalas, 
adeus e adeus – desamores clássicos... 
As seduções dos limiares tácitos, 
quer sejam banhos de suaves ósculos, 
quer sejam fogos de artifícios fálicos, 
quer sejam loas de tristezas múltiplas – 
as seduções dos afluentes trágicos 
que escorrem longas melodias úmidas, 
que antes fossem solidões implícitas 
do que este surto de segundos zéfiros... 
São elegidas entre as horas ápices 
as horas cruas de certezas nítidas, 
as horas frias de rosáceas góticas, 
as horas cheias de princípios lógicos, 
são prometidas aos febris neófitos 
e ensejadas por incautos Sísifos, 
são destiladas em modorras íntimas 
e morrem salvas de abalos sísmicos...


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Vou indo bem.
Abro a porta tramando talvez duas plantas,
nessas horas em que, simplesmente, 
elas deveriam estar lá.
Do lado de fora perguntam 
se estou dormindo.
Ninguém suspeita do que existe
dentro de um tempo fraudulento
como uma mágoa que insiste
eu tento
e quase por um momento...

São metáforas inúteis que
me caem tão bem – criancinhas
permutam-se psicodélicas
e tomam serenos à noite...
Vou indo bem. 
Rascunho nuvens a lápis 
no meio do plano de fuga,
traço acrobacias por cima 
de telhados coloniais,
antevejo cenas de comédia:
os perfumes se entreolham puritanos,
as bijuterias corruptoras dissimuladas,
papeizinhos amestrados
guardam-me fragmentos asfixiados,
meus gatos, meu orgulho, 
meu deus que perambula...
Que comédia de se rir até das portas!
Um filme mudo que repete um gesto lento
e quase, quase por um momento...
 
Desço por mim em caracóis escadas,
mas esse jogo inútil de mãos
que não me serve equilíbrio
vai contornando o acesso...
Quando o amor é apenas um jogo
deve-se pois amarrá-lo e por fogo,
porque ele se apraz ao deitar o meu corpo consigo
e o meu corpo se deixa cortar pelo melhor inimigo...

Não que me importe a intenção
no alinhamento dos astros,
nem os perfumes das plantas:
obras de algum filantropo,
eu não me desço os degraus
em busca do principado
ou me embebedo das práticas
da irresponsabilidade...
Porque eu vou bem, afinal
permutam-se novas imagens,
chocam-se as sensações
em todos os receptores
e nada me faz repousar
em pastos verdejantes
e todos os lobos retornam
com olhos por cima dos montes...


Eu sou em mim um intruso,
me cobro deslumbramento,
penso que sei me expulsar
de mim em qualquer momento.

Mantra



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Essa lua que já foi dita antes
e essa tarde dos antigos recitais
e essa fumaça impregnada nos cabelos,
nas cores e nas palavras de todos esses
velhos livros que têm tanta serventia –
como a vida tem deixado em olhos cínicos
a marca da esperança hereditária,
como é firme a pele branca do alabastro
que espera por seu cítrico perfume,
como são tristes os espelhos nítidos
e que preguiça nesse sábado enorme,
para quem os sonetinhos de amor
são garantia de entretenimento,
enquanto danço pra chover vem o domingo...
Eu não posso consentir naturalmente
que outro verbo se introduza neste trânsito –
fico truncado e repetindo mantras
aquém da lógica e do alcance de um dardo,
porque não tenho olhos para encarar
mais um verão sabor de envelhecer...

...om eim saraswatiyei swaha
   om eim saraswatiyei swaha
   om eim saraswatiyei swaha...

Paradoxo Pós-moderno



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É impossível ser um poeta
impassível?
É impassível ser um poeta
e impossível.

Casa de aluguel



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Querido Doutor,
receite-me agora
uma via expressa
para tombar
sem passaporte.

Querido Doutor,
o quão contundente
será a demora
daquela pessoa:
a Morte?

Serei despejado da realidade?
..............................................
Por que eu já sinto saudade?

O Próprio



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o homem imã psicoativo
radiofônico e bélico
deus do telefone mudo
comparsa da exigência
o homem-meta aquele
antítese da antítese da antítese
primeiro parágrafo de um plágio
ou o próprio – este ser
que até daria
um belo par de botas