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Olho-te, lentamente, 
Em teu rosto o longe branco 
Cetim, em teu rosto o mármore 
Da arte romana e trágica...
Nada mais que solidão.
Sozinha assim, com suas fotos,
A tua intenção é tão pura,
Translúcida...
Te falta confiança? 
A tua imagem é o que se produz
Do seu intelecto, 
Mas distante... 
Não me leve a mal, 
Estou a par que todo humano caga, 
E tem seus medos, obsessões...
Olho-te, atentamente, meu eu comum 
Ensaia o momento e o romance.
Sorrio...
Não sei quem você é, meu bem: 
Ave de rapina. Teu pio - mal agouro
Ecoa noite adentro e morre. 
E me mata...
Te falta mais idade?
Eu arranquei as tuas folhas
Naquele sonho tardio, muito embora
Estivesse nua com toda essa palidez,
Eu só te via o cérebro...
Olho-te há tempos, não sei o que vejo
Além do teu espelho e penso:
A quem ela quer convencer?
Talvez conhecesse a mesma dor
De não poder repartir comigo 
Esse presente, esse instante... 

Caderno



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Quando acendo o meu cigarro,
enquanto espero na estação 
o semi expresso atrasado
e fico olhando para o chão,
sempre chega um aluado
e me estende a sua mão,
às vezes pede o meu cigarro
e às vezes pede uma canção.
Então eu abro meu caderno 
e faço alguma anotação
com uma cara de coitado
que não apreende a dizer não!
Ela estudou gastronomia,
mas trabalhando de atendente,
tem que ajudar sua família
e seu irmão que é delinquente,
sai todo dia à mesma hora,
tem uma folga por semana
e quase sempre ela demora
pra levantar da sua cama...
Então eu abro meu caderno
e faço outra anotação,
não sei porque, mas levo a sério
o prêmio de participação!
Ele já leu filosofia,
não acredita na TV,
faz tudo certo todo dia
e às vezes tenta se entreter. 
Já aprendeu que ter razão 
não é o mesmo que ser burro,
escolhe sempre o mesmo vagão 
o mesmo banco e o mesmo empurro...
Então eu faço a mesma coisa,
você já sabe o que que é,
pois todo mundo tem um vício:
um cigarrinho com café...


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Era tempo de festa. Todos estavam envolvidos nos preparos. Os que cuidavam das comidas esplendiam risos, trocavam piadas repetidas. A música alta no aparelho de som. Era engraçado quando toda família se reunia. Duas primas arrumavam a mesa com flores...
Eu estava na praia com ela. O mar encapelado rugia e chacoalhava sua juba de espuma perolada...

Era madrugada quando cheguei em casa, a festa já tinha acontecido, tudo estava calmo e sonolento. Um pote de comida na geladeira com meu nome escrito nele. Ouvi passos, corri para ver... (neste ponto houve um bloqueio mental, não sei dizer o que vi na escada.)

Agora eu estava no banheiro, mais certo seria dizer: estávamos no banheiro. Eu me observava no banho, mas já não era eu, não era... minhas verdadeiras mãos tentavam escapar daquela prisão de vidro, o que eu realmente era estava preso dentro do espelho. Aquele outro agora se secava com a minha toalha, vestia minha roupa e se dirigia ao meu quarto, onde certamente o meu grande amor dormia! No entanto, meus esforços não foram em vão. Quebrei a prisão de espelho e me reuni com meu corpo, o que desencadeou um estranho fenômeno onde os móveis, os livros, as roupas, chinelos, tudo parecia flutuar e rodopiar numa dança macabra, as luzes chispavam relâmpagos que escreviam palavras incompreensíveis na parede e no piso...


Vírus



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Eu sou o toque que transmite o vírus,
teu corpo todo quero possuir,
pois é assim que eu sobrevivo,
eu só preciso me difundir, 
no teu cabelo preto de nanquim
vou expandir o mapa do meu jogo,
quem sabe um dia chegarei ao fim?
quem sabe eu tenha que tentar de novo?

O meu discurso é persuasivo,
quem me despreza vai me conhecer
e cedo ou tarde será consumido
e de repente desaparecer...
Quem acredita ser superior
talvez não saiba o que é ser forte...
quem sabe eu tenha que usar a dor?
quem sabe eu tenha que causar a morte?

Se fatalmente eu te encontrar,
seja no ônibus ou no metrô,
basta um beijo pra te infectar
com o que penso ser o meu amor!
Porque a vida é mesmo assim - cruel.
E todo mundo finge que não sabe!
Porque ninguém quer mais olhar pro céu
pra descobrir o que é eternidade?...

E você pode me chamar de vírus,
a ignorância será  meu prazer
quando teu corpo se tornar cativo
e quando a febre te fizer sofrer,
uma lembrança do seu grande amor
talvez te cure, talvez te conforte.
Quem sabe eu tenha que usar a dor,
Quem sabe eu tenha que causar a morte?

Quem sabe eu tenha que usar a dor,
Quem sabe eu tenha que causar a morte?







Voltei pro mar...



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Voltei pro mar,
o céu fechou.
O desaguar
se aproximou,

Senti verter
da cor a luz,
quis me converter
e abraçar minha cruz.

E agora é questão de tempo.
Agora é questão de tempo...

Meu bem, será
que vai ser fatal?
O que se tornará
transcendental?

A tua voz?
O teu olhar?
Algo que entre nós
quer se libertar...

E agora é questão de tempo.
Agora é questão de tempo.


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Eu vinha grave pelo caminho
quando encontrei um entrevadinho,
que ele era bem tortinho...

Suas mãos cheias de carinho
com um gato feio e sujinho;
um simulacro de estranho ninho...

Sorri um riso apertadinho
e segui um tanto mais sozinho
pisando espinho após espinho...



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às vezes minha bem amada
quando eu digo aquelas coisas
como a história sobre nós dois
sermos dois prometidos do tempo
depois das tuas reações sofisticadas
tenho uma leve impressão de que você preferiria algo de origem canalhística
sem toda essa verborragia pontuada
erroneamente urdida e articulada
pos-romântica pos-modernista pos-bosta decadenciosa prepessimista
retrocesso de vanguarda
e chula fuleira feito mula e nula
que eu dissesse
dissolvendo em três palavras
quero-te-comer
assim mesmo no c(r)u

e em dois segundos já estivesse nu

Os Monges



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Quem do pecado nunca foi culpado
não pode, enfim, aqui nos perceber.
Nós somos monges sob o sol pintado
num mal vitral que ninguém pode ver.

Nós somos monges - magros, esquisitos
que ninguém nota a palidez castanha
dos nossos olhos ternos, mas aflitos
num mal vitral duma capela estranha.

Que ninguém nota o nosso canto aguado
e o dedilhado atravessado insiste,
nós somos cegos sob o sol dourado

no transe eterno, só ele nos assiste
do dolorido ao desacreditado,
do envelhecido, espedaçado, triste...