Chá de ervas



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Quando à tarde cai o sol dormente
e uma ânsia de agir me invade
e meu coração transborda de vontade
que comprime e expande velozmente...

Colho as folhas de cidreira e hortelã
e um perfume acalenta os meus dedos 
envolvidos de místicos segredos,
já a ânsia se percebe fria e vã...

Vejo a água borbulhar fervura
e o vapor que inebriante acalma 
a minha boca que bebe a minha alma 
espalha o aroma da total doçura...

Anoitece em meu olhar castanho
e a quietude desta trégua abrupta 
traz desprezo à minha dor corrupta
emoldurada num altar estranho.

Meus 8 anos



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Era um sonho recorrente 
deitar sobre papelão,
coberto de um trapo dolente 
perto da chuva e do trovão...

Desses desejos sem perna 
nem braço, tronco ou cabeça,
gritar um nome na caverna,
morrer antes que anoiteça...

Ir limpando toda cidade 
pendurado a um caminhão,
dar costas para a humanidade:
ser a chuva e ser trovão.

Alvejante



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Por mais que o cheiro da dor esteja 
espalhando sua metástase 
feito bruma pelo vale úmido,
por mais que o prenúncio da morte 
anuncie o sabor das lágrimas 
destinadas ao dia derradeiro...

Ele chega. E não há sangue nas portas 
que te proteja, nem magia 
que te proteja, nem palavra
que traduza o alarido da língua inerte.


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Abro os olhos e tento 
capturar a luz que recria
no espaço e no tempo - o momento,
mas só há uma anomalia.

Quem me dera ouvir contigo 
o uníssono das eras,
crer no amor, esse inimigo 
tão real quanto as quimeras...

Tudo é falso! Vaidade 
que esconde-se e maquina,
e eu que vivo outra realidade 
não sei o que me destina,

não sei onde é que reside 
o inquilino do meu sonho,
se um dia ele decide 
ser um anjo ou ser medonho...

Construção



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Primeiro, definido o espaço
e o tempo para o emprego das mãos,
o sonho da não indigência
e do não desespero noturno,
em cada vez que se cogita a presença do despejo 
atrás de uma porta adotiva.

Ali o suor e a lágrima aspergem 
sobre cada buraco úmido...
Cheiro de terra que nos sobe ao nariz
quando a liberdade está perto o bastante
para o toque de prazer impoluto.

Eu queria em mim essa estrutura férrea 
e esse balanço. Quando a sordidez dos ventos 
desfolhassem a copa das velhas árvores,
quando o murro do raio estalasse,
no meu corpo sólido haveria
a substância do amparo seguro.

Por fim, já calejados corpo e alma,
no entardecer um blues, regar as plantas 
que antes quis duas, agora mais de trinta 
desbotando flores ordinárias - sem poemas,
só a vida quase concluída,
que demanda ainda o acabamento,
feita e imperfeita...

Por enquanto mantenho o trabalho que invento
perscrutando a areia lavada,
colecionando pedras para enfeitar substratos.

Um jardim esquecido



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Um jardim esquecido?
Melancólica pintura 
onde existe e não se vê 
uma pobre sepultura.

A morte real é o olvido.
A vida real é a procura.
A única certeza é o porquê
da dúvida futura.





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Perdem-se de vista 
os dias macilentos,
e a pós modernidade
compõe monumentos...

Suposta liquidez 
que hábil nos afoga,
onde o mundo é propício 
para aquele que joga.

Evade a nado raso
o resquício da essência,
a solidez da partícula,
a lótus da consciência...

Eu olho? Que desencontro!
Sou aquilo que ignora;
um protótipo de intento;
um agora fora da hora....

Shutdown



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Não é como um sentimento isolado. Um desconforto de espinho. Nem a dor de uma resposta sensorial ao tempo. Abro uma cova e enterro o fantoche da circunstância em que me encontrei. Desmembrado em mentiras cotidianas, esquivas emocionais que me garantiram um tempo a mais num ambiente onde o prazer é propor meios para ser violentado. 
Sempre aludindo aos restos, à margem da significância: um quase qualquer. No cativeiro da aleatoriedade cultivo inúmeras questões, no mesmo grupo enumero motivos para sorrir e as origens do universo. O açoite da Questão vai tatuando caminhos vermelhos sobre a pele daquilo que não é a alma, mas é o ter uma alma: talvez a essência plural dos que acreditam. 
Que presunção é exemplificar! Quando toda palavra é somente a intermediária da vontade. 
Seria simplória a resolução do infortúnio se a falta de ter algo fosse apenas a opositora do alívio. O caos torna eterna a realidade que o toca. Tudo é múltiplo.
Já pensei ser a vida o epicentro desse vórtice de insignificância, uma vida que se oculta atrás de uma porta sem chave - cabe a quem inventar essa chave?...
Com minha imagem anti-geométrica tomo assento numa cadeira deslocada do tempo, meu olhar distante procura um vislumbre sempre a frente, enquanto me desfaço rastro de luz, preso a um passado punitivo.
Quem me dera a inércia imaterial do vazio, entretanto, transbordo as probabilidades dos fatos, no mesmo segundo que pretendo o objetivo de um toque, também cogito amputar minhas próprias mãos. 
O que me aflige é a incerteza das coisas. A dúvida primordial, o infinito. Eu, que não posso me calar, que não posso dizer não e me negar a responder. Tenho que me entalhar conforme a norma - madeira pútrida, sem viço. Eu que vivo para significar o que para ti é simplesmente estar vivo.
Eu que sonho nunca ter existido.