Chego, inspiro e sento. Já não espero nada. Pouco importam os itinerários, horários e conduções. Fazia tempo que em meus olhos o ardor do sal não dava as caras. Eu tenho chorado como antes, pelos cantos, por dentro. Engasgo com teu nome na minha boca, cuspo sangue, sorrio...
É tão triste, amor. Qualquer coisa que ponho aqui, eu digo: "é arte". No fim das contas eu vou morrer sozinho, nas portas do paraíso vou cantar um anjo, se ele me der condição transo ali mesmo. E que Deus assista tudo bem quietinho! Não é assim seu modus operandi?
Perguntei à doutora: "é normal cogitar pular de ponte, atravessar rodovia de olhos fechados?" Tão jovem a doutora, eu vi que empalideceu de susto, típica burguesa caridosa. Eu fui muito cruel? "Claro que não é normal! Procure um especialista! Não sou sua médica, mas da sua irmã!" Tão branca a doutora, nunca pôs prego na chinela.
Ligam-me. Atendo. Do outro lado: "Alô, Ivan, Ivan, por favor!" Respondo: "é engano, desista do Ivan!"
Eu digo ao meu amor que estou vazio. Tantas vezes estive vazio que soa uma típica piada de expectativa. "Ele vai dizer que existir é um peso, que não há sentido no que não deve ter sentido, que consciência isso, filosofia aquilo, psicologia aqueloutro, que já dizia no livro tal, na página tal, no poema tal, que o que tem que ser dado de uma vez, tem que ser dado bem no meio da testa, no meio dessa reprise arrastada, noir de mau gosto...
Agora eu posso deitar e esquecer. Só por um momento esquecer. Larguei o álcool, o cigarro. Eu posso deitar e esquecer. Sem um puto de um cigarro, sem um trago de perfume! Esquecer!...
Lembro-me quando fazia versos sentado à janela da casa abandonada. Do pé de pinha que minha irmã matou com fogo. Eu imitava o Baudelaire, o Cruz e Sousa, o Rimbaud, o Augusto dos Anjos, o Pessoa, o Mário, o Camilo... (poderia ficar nisso por eras) a Florbela, a Gilka, a Emily, Whitman, Poe, Camões... (ok, parei). Sentava meu sobrinho na sala e pedia silêncio, eu recitava:
"Quero amar, amar o mar
tanto amar que me afogar..."
Eu digo ao meu amor que estou vazio... Levanto, expiro e saio, já não espero nada. Nem o riso vem da expectativa. Não existe piada. Não existe poema. Só o vazio. E nenhuma palavra. Vazio.
Cada um morra com o seu.