14 janeiro 2025

Woke

Já é tarde
e meu amor anda entre corredores
espanando a poeira dos livros, 
com seus óculos e maneirismos, 
quando os fios de cabelos entre os lábios
incomodam feito a falta dos meus. 

Já é tarde
e eu sou o ninguém a me escrever
ao som de Blacklash Blues da Nina...

Começou outro ano, marquei médico,
ombro travado...
"eu acredito que alguém colocou um feitiço em mim"
entende, baby?

Já é tarde
e meu amor explode uma hiroshima de cores
e goza comigo nos sonhos
sozinha no banheiro meia luz,
no quarto sob a sombra incógnita
imagina o diâmetro e o centímetro...

E para quando estarei pó e verme
restará a palavra eterna e não oculta:
Eu sou o judeu. 
Eu sou o negro.
Eu sou a lésbica.
Eu sou o gay.
Eu sou cigano.
Eu sou o estrangeiro.
Eu sou o atípico.  
Eu sou a carne pendurada às moscas
e o açougueiro com o queixo sobre as mãos 
e os cotovelos sobre o balcão 
observando o tráfego
enquanto não chega a hora feliz de ir embora.

04 janeiro 2025

Rascunho

Não à rima manjada,
métrica e aliterações,
só carne crua...
Não à rigidez contínua 
dos pontos e vírgulas 
deslocados,
eu me despi do objeto 
substituindo a fantasia do desejo 
de ser...

Eu sou o quase 
na fronteira do vale mortífero,
meus livros?
Não me salvam...
Amigos?
Não confio...
Humano demais para não punir 
meus desafetos infantis 
com o choro do silêncio 
pretensamente imbecil...

A cada instante confundo a lucidez 
cogitando a morte,
a qualquer segundo as árvores dançam o vento 
ritmando a morte,
a velha melodia de um artista adicto
intimando a morte,
as cores de Vincent e o Dante de Dorè
suspirando a morte...

Não ao cigarro e ao álcool 
e a Baudelaire,
não ao voto nulo e a Marx
e à esperança primeira 
da ideia, do conceito 
do rótulo e do fim,
não à utilidade do eu
sombreado pelo capital sedutor...

Eu sou um quase 
entre muitos reincidentes,
revirando cambalhotas 
nas ondas do tempo pérola 
onde como ele - mar,
quase também não existo.

05 dezembro 2024

Status

Meus pontos de vida aflitivos
num pixel mágico delirante...
Em minha defesa protestante
invoquei escudos primitivos,

evito os danos consecutivos,
mas até quando? o turno avança 
enquanto o meu ataque não te alcança
na terra dos feitos punitivos,

embora evasiva a condição,
calculo os meus pontos de ação 
no lance mordaz de um dado místico,

e o dano, como o arco da paixão
contundente quebra o coração 
e acerta o malogrado erro crítico!...

03 dezembro 2024

Sensorial

Há qualquer coisa em mim 
que se debate
e convulsa alienada 
quando o mercado está cheio...

Não vejo os preços, só as luzes
e todo esse tiroteio de vozes,
esses lança-rojões 
na sessão de frutas e verduras...

Tem muito cheiro,
variedades de desinfetantes...
Tem muita carne
e há algo podre no úmido escondido...
Tem muita gente
que sorri intuitivamente...

Minhas mãos gesticulam
embora eu tente reprimi-las,
só há oxigênio lá fora
na calçada dos desafogados...

Brutalismo

Elegante monocromo
erguido por mão futura, 
eu me me pergunto - como
foi feita a arquitetura
tão mínima e tão tônica - 
faixada de nuvens gris
falsa e babilônica, 
altiva imperatriz. 

Erro por teus andares, 
procuro meus iguais, 
procuro por Antares
nos sinos das catedrais...
E teu timbre grave soa
um fá sustenido lento... 
E o desejo, embora doa, 
é levado pelo vento... 

11 outubro 2024

Avulsos Atípicos (Hard Version)

I

Vermelho o grito medonho 
insulta a deus, é um sonho
sumir diante do absoluto 
sem fim, sem adeus, sem luto...

II

Há meses um npc 
de survival horror...
quem me dera você
soubesse me impor

qualquer comando -
algo mais, um sentido
nesse quando em quando 
nunca concluído.

III

Mesmo a ausência 
torna-se incompleta -
a vida é uma evidência 
de uma falta abjeta.

IV

Até quando levar as mãos à fronte,
afundar o crânio entre dez dedos,
na procura infantil alucinar o horizonte 
no furor inalcançável dos segredos?

V

Será você, leitor, o Anjo da morte
no deleite dessas vicissitudes,
será o meu amor, minha consorte 
no mistério dessas amplitudes?

VI

Salve, Abramelin!... Adramelech,
maldito o arco-íris do teu plasma!
Ah, não importa quanto eu peque 
sempre há mais narina pra miasma!

VII

Já já a boca nunca mais diz...
Já já não sobra um relato...
Já já não será mais o infeliz 
que em vida vive putrefato...

Hikikomori

Olhos abertos, outro dia sem rosto
sorrindo sépia sempre compassivo
ao discutir sobre o competitivo
capital nulo que nos será imposto.

Aristocrata o Sol - um rei deposto, 
não tem nenhum decreto conclusivo
sobre o não ser ou ser improdutivo, 
mesmo completamente decomposto...

Sair de ti à luz? Que superestimado
esse convívio humano quando é dado
ao mal comum - disfarce de empatia.

Sair de ti é luz, desse quarto apagado
planejo o não viver obcecado
por outra novidade ou nostalgia...

13 maio 2024

Avulsos Atípicos V

I

Diante do óbvia negativa planejo
deitar o meu desterro pessimista
igual a quem despede-se com beijo 
não tendo do futuro uma só pista...

II

Boneco cenográfico – emulo 
a lógica aparente que espero,
mas todo meu esforço é nulo,
eu sou a divisão por zero...

III

Se chego – chego depois deles...
Se vou – eles já estão lá...
Se quero – nunca é como aqueles...
Se estou – tudo já não há...

VI

Itero sobre todas as perspectivas, 
Prolixo – esfinge magra e estranha,
intento mil telas intuitivas
com olhos de uma dor castanha...

V

Dentro do espectro imaterial 
move-se o intelecto sub-humano...
Eu sou o último Neanderthal 
que ainda não entrou pelo cano...