08 março 2025

"Nereida"

Ela está lá. Oculta entre as nebulosas mentais, inerte, idônea, ressona suavemente e perfuma os neurônios com aromas gentis. Sua face, outrora bestial e vulgar, agora assume o petrificado riso contido, confunde-se com choro, ambíguo como Deus o fez.
E me enamoro ao vê-la vestir seu cetim de silêncio, lenta. Onde pôs teu arsenal de culpas? Onde?...
Agora que sinto fome ela me permite comer, agora que o sol irradia ela me permite decifrar cada nota nas cores, mesmo sendo múltiplas, posso dedilhar as canções que inventei!
No entanto, sua presença é sentida, pois ela faz-me sentir. Apesar de contida, ela espreita atrás de cortinas de renda branca. E enquanto acendo o incenso de mirra, às vezes, tenta mencionar o meu nome. E eu me lembro bem da idade média. Recorro à ciência e somente para a ciência ajoelho e imploro...
Ela está aqui, voluptuosa, como é comum às musas ancestrais: nereida oscilante com sua canção  emudecida, olha-me pelos cantos, impedida de me entorpecer. 

06 março 2025

Observando a Natureza

Quem é você
imagem que
se reproduz? 
Um nome dito, 
talvez inédito, 
que deu-se luz? 

Símio moderno, 
dentro do terno
engravatado,
sobe os andares
com os seus pares, 
sempre ocupado...

Eu que neguei, 
penso que sei
que sou - quem és, 
mas basta ter 
que conviver
sobre meus pés, 

para notar
que meu lugar
dentro da classe
é quase igual, 
também sou mal, 
mas tenho face!... 

Dentro do bando 
não tive um quando 
pra ser quadrado...
Símio perfeito, 
como, qual jeito
deus tem te dado

tanta igualdade 
e prioridade 
no que se pensa 
ter uma vida
comprometida 
em ser quem pensa?

Stims VII

Distraio minha dor intrusa
com outra dor - essa fácil:
um espelho pra Medusa 
que é volátil e retrátil... 

Eu me machuco - confesso, 
e cravo as unhas no braço, 
esmurro às vezes, me impeço... 
não sei, mas faço... mas faço... 

05 março 2025

Stims VI

Um disco retornável
que mastigo sem fim,
fico ali inalcançável:
Wave, do Tom Jobim. 

Em tempo intraduzível
quando a alma se descola
refugio o indescritível - 
melodias do Cartola! 

04 março 2025

Stims V

Descobri pelas pesquisas
sobre neurodivergência,
que etiquetas nas camisas
é a raiz da delinquência...

Outra dose muito forte
é notícia que, na terra, 
etiquetas foram morte
e motivos para a guerra! 

03 março 2025

Stims IV

Numerar esses poemas,
em romanos, em esquemas
como inventasse sentido
para o caos comprometido... 

Compor um estratagema
dar fôlego ao barro e tema
e dispor o indefinido
como se fosse concluído... 

02 março 2025

Avulsos Pós-Punk IV

I

O homem e a mulher
foram feitos para
o homem e a mulher - 
foram feitos?...

O homem é a mulher, 
tem seus trejeitos! 
A mulher é o homem, 
cadê os peitos?

II

E vamos lá, 
versos em sangue derramados, 
contendo o DNA 
de muitos versos passados. 

III

Tenho uma mágoa marginal 
dessas que cavam sem fim,
dessas que recusam o final... 
Deus, acredite em mim! 

01 março 2025

Primeiro de Março

É manhã
e as árvores imóveis, 
sentinelas do vale, 
resguardam o canto dos pássaros...
Procuro-me
no condado, na ordem, no instinto
farejo meu rastro e lembro
que fui regar as plantas...
O verão açoitou até a morte
os tapetes de rainha inocentes 
debruçados, distraídos
olhando quem sobe as escadas...
É quase silêncio... 
ao fundo da vila, um rádio louva
com minha irmã que delira
e nega os medicamentos...
Tomo café
enquanto meu amor me lê,
antes de ir embora
e quando vai embora
eu fico.