"Nereida"



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Ela está lá. Oculta entre as nebulosas mentais, inerte, idônea, ressona suavemente e perfuma os neurônios com aromas gentis. Sua face, outrora bestial e vulgar, agora assume o petrificado riso contido, confunde-se com choro, ambíguo como Deus o fez.
E me enamoro ao vê-la vestir seu cetim de silêncio, lenta. Onde pôs teu arsenal de culpas? Onde?...
Agora que sinto fome ela me permite comer, agora que o sol irradia ela me permite decifrar cada nota nas cores, mesmo sendo múltiplas, posso dedilhar as canções que inventei!
No entanto, sua presença é sentida, pois ela faz-me sentir. Apesar de contida, ela espreita atrás de cortinas de renda branca. E enquanto acendo o incenso de mirra, às vezes, tenta mencionar o meu nome. E eu me lembro bem da idade média. Recorro à ciência e somente para a ciência ajoelho e imploro...
Ela está aqui, voluptuosa, como é comum às musas ancestrais: nereida oscilante com sua canção  emudecida, olha-me pelos cantos, impedida de me entorpecer. 

Observando a Natureza



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Quem é você
imagem que
se reproduz? 
Um nome dito, 
talvez inédito, 
que deu-se luz? 

Símio moderno, 
dentro do terno
engravatado,
sobe os andares
com os seus pares, 
sempre ocupado...

Eu que neguei, 
penso que sei
que sou - quem és, 
mas basta ter 
que conviver
sobre meus pés, 

para notar
que meu lugar
dentro da classe
é quase igual, 
também sou mal, 
mas tenho face!... 

Dentro do bando 
não tive um quando 
pra ser quadrado...
Símio perfeito, 
como, qual jeito
deus tem te dado

tanta igualdade 
e prioridade 
no que se pensa 
ter uma vida
comprometida 
em ser quem pensa?

Stims VII



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Distraio minha dor intrusa
com outra dor - essa fácil:
um espelho pra Medusa 
que é volátil e retrátil... 

Eu me machuco - confesso, 
e cravo as unhas no braço, 
esmurro às vezes, me impeço... 
não sei, mas faço... mas faço... 

Stims VI



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Um disco retornável
que mastigo sem fim,
fico ali inalcançável:
Wave, do Tom Jobim. 

Em tempo intraduzível
quando a alma se descola
refugio o indescritível - 
melodias do Cartola! 

Stims V



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Descobri pelas pesquisas
sobre neurodivergência,
que etiquetas nas camisas
é a raiz da delinquência...

Outra dose muito forte
é notícia que, na terra, 
etiquetas foram morte
e motivos para a guerra! 

Stims IV



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Numerar esses poemas,
em romanos, em esquemas
como inventasse sentido
para o caos comprometido... 

Compor um estratagema
dar fôlego ao barro e tema
e dispor o indefinido
como se fosse concluído... 

Avulsos Pós-Punk IV



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I

O homem e a mulher
foram feitos para
o homem e a mulher - 
foram feitos?...

O homem é a mulher, 
tem seus trejeitos! 
A mulher é o homem, 
cadê os peitos?

II

E vamos lá, 
versos em sangue derramados, 
contendo o DNA 
de muitos versos passados. 

III

Tenho uma mágoa marginal 
dessas que cavam sem fim,
dessas que recusam o final... 
Deus, acredite em mim! 

Primeiro de Março



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É manhã
e as árvores imóveis, 
sentinelas do vale, 
resguardam o canto dos pássaros...
Procuro-me
no condado, na ordem, no instinto
farejo meu rastro e lembro
que fui regar as plantas...
O verão açoitou até a morte
os tapetes de rainha inocentes 
debruçados, distraídos
olhando quem sobe as escadas...
É quase silêncio... 
ao fundo da vila, um rádio louva
com minha irmã que delira
e nega os medicamentos...
Tomo café
enquanto meu amor me lê,
antes de ir embora
e quando vai embora
eu fico.