08 maio 2025

X

Bendito seja o punho e seu itinerário 
que esmurra todo crente sem acepção;
humilde vaidoso, servo perdulário, 
imagem do Senhor afeito à danação! 

Bendita toda chaga que igualitária 
recobre metafísica a tua infecção;
que fede tão purina a rosa mortuária
da velha idolatria, difusa sugestão! 

Bendita a pouca pena que veste tua sanha, 
retórica da Morte que leva até os teus 
pequenos belos filhos da avidez tacanha;

projetos e construtos desses fariseus
curtidos de tesouros ungidos da banha, 
cuspindo letargias pela boca de Deus! 

07 maio 2025

Quanto é que custa?

Quanto é que custa um carrinho de pipoca? 
Dez mil? Cinco mil? 
Você compra um carrinho de pipoca. 
Quanto é que custa o quilo da pipoca? 
Não da pipoca, mas do milho da pipoca. 
O quilo do milho tá quanto, cinco reais? 
Você compra o milho da pipoca. 
Onde que vende mais essa pipoca?
Você encontra onde vende mais pipoca. 
E você põe o seu carrinho de pipoca.
E ali você vai vendendo pipoca. 
Trelelê tralalá. 
Você tira o lucro e o capital da pipoca. 
Com o tempo certo você faz da pipoca
algo que seja mais do que pipoca, 
que seja a meta pipoca, a uber pipoca, 
a pipoca da pausa dramática,
a pipoca do conveniente, 
a pipoca militante, a pipoca anarquista, 
dê um sentido existencial para a pipoca, 
a complexa sofisticada pipoca, 
the best popcorn for all, 
a pipoca do milagre, do conchavo, 
a pipoca do jeitinho, do êxtase, do orgasmo, 
a pipoca da vanguarda do pipocanismo,
a pipoca eleita, fascista e democrática, 
a pipoca socialista, comunista, chovinista, 
a pipoca hipócrita... 
não a pipoca em si, aquela fora do poema, 
essa não vende, não produz ou acumula,
essa não interessa, 
você quer outra pipoca, 
aquela que está na nuvem, 
no subconsciente do impossível, 
a pipoca nirvana,
a única, lendária, épica, rara, 
a pipoca quântica
que é pipoca somente quando se abre a pipoqueira 
e quando se vê a pipoca, 
e não se sabe se é ou não é quando se não vê, 
faça parecer que essa pipoca é pipoca, 
minta até a realidade ceder! 
Então trelelê tralalá,
você terá o mérito da pipoca, 
será o patrão e o empregado da pipoca, 
dormirá e acordará pipoca, 
a pipoca indispensável, 
a pipoca que dentre as pipocas 
nunca será menos, nem o bastante, 
sempre será mais
e seja você também pipoca, 
aí tão somente compreenderá 
o segredo, o mistério, a verdade oculta
de quem levou a vida inteira 
para enriquecer de pipoca. 

Não há pobreza que dure
doze horas de trabalho por dia. 

06 maio 2025

O primo do profeta Gentileza

O primo do profeta Gentileza 
é assembleiano; outra raça de profeta, 
gasta um troco com jet preto
e sai de madrugada pra pichar 
pelo Rio... 

O primo do profeta Gentileza 
escreveu no muro 
da SuperVia e do Metrô:
"Só Jesus expulsa o demônio das pessoas", 
no Méier e na Central também,
ele tem fé, 
é dízimista, 
foi batizado, 
todo domingo na reunião do jejum 
fala em línguas, gira no manto
caindo no poder quando passa o anjo... 

O primo do profeta Gentileza 
foi classificado pardo no certificado 
de reservista, 
foi confundido com outro pardo fugitivo 
na abordagem da polícia; o antigo baculejo, 
tomou porrada à beça, 
sujou a Bíblia e o paletó
quando rolou no barro
em frente ao restaurante popular
do centro de Belford Roxo, 
caiu com os olhos abertos, 
Deus o tenha e deve ter... 

O primo do Profeta gentileza 
encheu uns dois ônibus da Flores
e foi enterrado em Inhaúma
no dia de São Jorge. 
Não teve filhos. 

05 maio 2025

Fim de baile na Concórdia

Passo rápido.
Acordei atrasado.
Três meninas varrem copos de plástico
no vômito róseo, 
os Meninos do Movimento
ensinam assim - elas brigaram, né? 
agora vão varrer o fim do baile,
putas da vida, ainda na onda... 

Elas carecas,
sem melissas, mas de francesinha,
cobertas de tatuagem e hematomas,
de choro e sangria, 
putas da vida, será que são mães? 
será que já amaram ou será...

Viro a esquina e perco 
o meia-vinte-quatro de 6:30, 
é o que dá pensar o mundo em versinhos...

04 maio 2025

Soneto

Se você nunca voltou pra casa
fedendo,
se você não sabe o que é
um trilho de trem enterrado
na rua principal,
se você escreve certinho
e leu alguma bicha empolada
e gringa de nome difícil 
e nunca deu de cara com presunto, 
nem fugiu de blitz,
nem teve a porra de um fuzil no nariz
como despertador,
nem entende do cheiro da pólvora
no sangue, 
nem deu o do cafezinho 
no Detran, 
nem pegou fila em órgão público 
para ter direito de existir, 
nem ficou de xereca
com o resultado da chuva,
se você nunca engoliu a contragosto
a cerveja quente, a segunda-feira,
o seco de ir em pé 
de um terminal a outro, 
se não sabe interpretar 
o tampo de um caixão fechado, 
se nunca ficou de joelhos 
para limpar embaixo dos móveis
que não são seus, 
se a Santa Operação
não tocou tua mãe na escada,
não explodiu na padaria,
no sacolão, na calçada, 
se aí você não se jogou no chão... 
.............................................................. 

03 maio 2025

Vocal

Cavernas dentro propaga
hereditária, constante 
a onda que vibra da saga 
a melodia consonante... 

Corpo dos timbres, vestígio 
do choro novo, da clara
tensão vital que o prestígio 
da dor nos toma e declara

escrito o senso que lavra,
nomeia, colore e indica, 
que dá-se em toda palavra 
dotada do que comunica. 

02 maio 2025

Bateria

Sincopado 
dedicado 
para te prender, 

baque inchado 
represado, 
bruto de poder, 

velho atrito, 
rito e mito 
puto de bater, 

infinito 
torque aflito 
rubro de verter, 

gordo murro, 
nojo e curro;
crime de prazer, 

débil urro, 
cuspe surro;
tiro de render, 

do arremate 
transe e abate, 
fome de foder, 

do combate 
que retrate
parte do viver, 

primitivo 
golpe vivo 
farto de conter, 

recursivo
compulsivo
riso de sofrer, 

tribal dúbio 
do subúrbio; 
ritmo de arder, 

interlúdio 
que o repúdio 
traz por responder, 

barbarismo, 
belicismo
pronto pra romper, 

paganismo, 
terrorismo 
todo de tremer, 

chaga prima
que se exprima, 
gozo despender 

que de cima 
nos redima 
para nos vencer. 

01 maio 2025

Baixo

O calibre grosso
do fundo do fosso, 
soturno esboço, 
betume do troço;

monótono fulo, 
vibrátil casulo, 
volátil adulo
que domo, que bulo;

do medo modorro 
degredo e esporro 
que monto, que morro, 
que surjo socorro;

tirano amigo
que firo, que digo
no fado que irrigo 
no nó do umbigo;

dobrado borrão 
do lábio do não
vingado e malsão 
amado irmão;

conciso no dom, 
afago do som, 
rebolo do tom 
que é vago, que é bom, 

que transo no avanço, 
não calo, não canso, 
abismo que danço 
metálico e manso;

translúcido torvo
que d'olho do corvo 
te trago e absorvo 
num túrbido sorvo, 

que mais reverbero, 
que pronto pondero
contínuo, prospero 
rosnando o que quero;

que pulso e trituro 
passado, futuro, 
silábico e duro
quadrúpede puro!