Carta V



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Olá, pessoa. Escrevo-te outra vez desta alcova craniana de fumo. Reflexivo, fico a remoer o sentido da tua bondade. Não sabes, mas és inexistente! Mesmo propícia ao toque, és a composição provável da persona que se evadiu dos meus imaturos contos angelicais, te confiro a forma, depois o sopro e por fim te imponho a lei proibitiva, logo mais voltarei com a punição do trabalho, que fará cair o caldo de sal do teu rosto, (embora valorize os fins de semana). Vem, me ame, me invente, filosofie e me mate! 

Acompanho daqui os feitos sublimes do teu intelecto. Que bênçãos tuas mãos, quando, disforme, meu corpo contorcia cada músculo teu, quando era meu prazer não circunscrito tua cabeça em moldes diversificados e a embrionária culpa que te servi no colostro místico, dei-lhe todo o vazio do espaço, como mamaste! 
Que produtivas tuas mãos. Quando o desejo de romper com a ordem levantava a primeira horda de poetas cadáveres e elusivos, viciados em haxixe, ópio, álcool, nicotina, likes, palmas, miséria, dores falsas, sarjetas, flores malignas, liras, cuícas, pó, tuberculoses e fomes, todo meu catálogo de viagens lhe foi oferecido e outras coisas mais, pois a blasfêmia é nada. O convite para dança macabra, o contágio da música, dos rebolos em fodas vagas, das novas maresias corrosivas, dos simulacros da gênese, pinceladas fugazes, tilintar de esculturas do oriente ao ocidente revelavam as maravilhas sublimes do teu estro ou chico, os covens ebulidos... Eu que pari a dança, me arrisco? Não tenho ritmo, iancurtizado, estremelico vergonhosamente. 

Nunca poderás me perdoar, me acredito. Sonhar-te real sob a abóbada celeste é dolorido. Tu, prenhe do que me foi negado, não compreendes quão grave é a maldição desse meu estado divino e grotesco, quero o bom aroma do teu sacrifício, estou esquálido, apático, deprimido, chué... 
O quanto ainda pretendo lamentar, enquanto a vida derrama sobre lábios preteridos o bálsamo ideal dos sonhos? 

Rendei graças, dê notícias, faça milagres, mande um zap!
Aqui da várzea de lágrimas, dos teus em um. 

VIII A Bruxa



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Na cópula sem núpcias retesa 
os lábios que, transversos, eletrizam
a cisma em namorar a flor dos homens,
outrora desprovidos brutos fálicos... 

Na transa Samyasa fez-se símio, 
mordendo-te da aréola o castanhado, 
naquele instante flébil um felino 
no dorso dos teus pés, domesticado... 

E tu, marcada a dente, forasteira
em tempos de imbecis, de partidários, 
gestante virgem túmida dos céus

às vésperas da dor, do rito augusto
que a apoteose pélvica borbulha, 
que rasga e escorre em lava o Nephilim...

O Movimento contra Ozomi



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Soltaram fogos como alerta
numa tardinha de quinta-feira
e os Meninos do Movimento
com suas armas, com seus reflexos, 
correram becos, abandonaram
seus chinelos, seus postos, suas bancas, 
para responder à altura, 
porque lá vem Ozomi... 

E Ozomi com suas armas, 
com suas fardas, com suas contas, 
com seus salários, suas famílias, 
com suas ordens, seus deveres, 
com continências, suas amantes, 
com seus pecados chegam no susto,
sem marcar a hora
da morte. 

Sempre cai mais dos Meninos, 
sempre cai mais dessa cor, 
sempre cai que nem biscoito,
se perdem um vem dezoito...

Depois da onda voltam pra casa, 
tanto Ozomi como os Meninos, 
comem seus pratos, suas mulheres, 
pedem a bença pros seus padrinhos, 
vão ao terreiro, vão à igreja, 
dormem cabreiros, na contenção
e quando acordam tomam seus postos,
com suas armas, suas rotinas 
e jamais marcam a hora
da morte.

doomscroling



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– abro a aba, bocejo... 

garis encontram recém-nascido:
"o choro foi o guia em meio aos sacos pretos" 

mais uma vez o dólar em alta mobiliza as nações opositoras em ascenção... 

no Rio, o tráfico de drogas... 
homem é morto em frente ao Salgado Filho...

sua chance de render um bom dinheiro,
são 100 créditos bônus no início, pura adrenalina... 

– meus olhos ardem, o tempo infecta, lá fora a ventania corre, não, cavalga, ouço o crooner: 

"do the chairs in your parlor
seem empty and bare, 
do you gaze at your doorstep
and picture me there..." 

bebês reborn são o hype da semana... 
pastores mirins e seus absurdos, veja no que deu... 

humorista é preso por piadas estúpidas, 
suas redes sociais batem recordes de acesso...

– digito: top 10 filmes sobre poesia. 
(carregando) 

notas para "algo ritmos"



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versos programados em vidmac
desinstagramáveis
suprimir emoções
emular sensações
simbolismo contemporâneo(?) 
propor o sentimento da máquina 
agir como máquina (laboratório mecânico?) 
ser feito coisa
isto este aquilo
emular emoções 
suprimir sensações 
flow e não fluxo 
uso de caixa baixa predominante 
computar-se 
explorar-se em terminologias contemporâneas 
jargões de Internet 
provocações ambíguas + metalinguísticas
não obter resultados estatísticos 
prompt minimalista 
interface opositora 

9 de Junho



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É véspera da morte, rememora
a pátria que pariste, Vate Caolho,
prepara algum lençol e põe de molho
nas lágrimas da Tágide que chora;

que inveja dessa gente que decora
a música que molha a tez do abrolho, 
por onde compuseste teu refolho
ao mar que n'alma fere a dor da aurora,

reclamo a mim também essa orfandade
e o luto, que enferruja as línguas, há de
plangir da renascença assinalada 

o tom que vai contigo, moribundo,
e mesmo cá distante em novo mundo 
encontra ressonância desprezada!...

À Manicure



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Em teus ouvidos curam-se as carências
daquelas saturadas das cidades, 
curvando tua coluna, em penitências, 
recontas pelos dedos as idades

que marcam teus horários nas urgências
do teu convento móvel, soledades
que atendes cutilando confidências
distintas, mas iguais em densidades... 

Das cores? Vinte telas que matizas, 
não sem antes moldar em formas lisas;
quadradas, curvilíneas, estiletos 

da prática de antigas outras monjas, 
que herdaste, merecidas as lisonjas
que tingem os teus lindos olhos pretos! 

Carta IV



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Evite o tédio. Não me leia. Do hematoma daquele pecado faça uma peça, tela a óleo imitando teu favorito pintor, a arte imita a morte, me eternize assim, vestido de bobo, pro diabo! Dê-me teu beijo, minha sativa! Não lhe suporto ver em meus poemas, eles contigo no ninho, dormentes filhinhos! Tu que os acolhe em teu cheiro, ai, se as deidades da Mesopotâmia conhecessem teu hálito – que epopeias, que Gilgameshs seriam heróis de novas HQs de vanguarda, de França, do Japão! Minha secreta Incal! 
Deixe a lembrança para o depois. Soa estúpido isso? Que tal: "um murro é pior que um soco, um soco não tem brilho", te parece aceitável, sofisticado, jazz? 
Eu não barganho com isso de foco, reflexão, carinho, antes de ti eu já era o que sou e pelo que somos fundamos a ponte, atravessemos!
Evite o asco, ler é para os maus, apenas dance. Faça-me ídolo antes que desça o Moisés e suas tábuas da lei e seus chifres, guarde o maná, ignore a ordem soberana de Javé, mas não me leia, não me aponte, não traduza, não invente me procurar em mim por eu mesmo. 
Sim, cogite a troca! Forje o insulto! Tudo é vogal e consoante rodopiando na probabilidade do concurso universal... Sopa primordial de letrinhas! 

Pé no chão, não é? Que vale um punhado de verso?
Ninguém troca café ou pão por redondilhas, ninguém mastiga a camurça dos meus grumos esotéricos. Ah, que eu tramo contra mim, quero dar o golpe, terrorismo! Abaixo o poeta tirano, cocem feridas com cacos de telha, raspem bigode, vistam-me de penas e me afoguem no vinho, garantirei a apoteose, a catarse, sobreviverei culpado antes que me acusem! 
Tem a consulta, diagnóstico, tem a overdose de amor dos girassóis ansiolíticos em vórtice. Será que isso aqui é verdade? Sempre há a probabilidade de ser um caramujo revirando restos na xepa, enquanto passas com tua camisa de Akira, enquanto ouves teus Beatles de merda ou defendes o Araçá Azul, enquanto fazes cosplay de Beatriz ou de Macbeth, linda com seu óculos! Que óculos! Não, sei que não existes! 

Vem, ora comigo! Ajoelhemos de mãos postas, entraremos em comunhão com Kali. É o êxtase!