29 junho 2025

Tu és da cor a música...

Tu és da cor a música 
almiscarada e nítida, 
quando toco-te a verdade, 
o teu pejo se enrubesce... 

Se conheço o meu Amor, 
ele vai por onde fujo, 
nas areias ondeadas
performadas pelos zéfiros... 

Se confesso o meu Amor, 
ele fere, em fúria, os mares, 
e nos solos dos soluços 
faz-me ouvir a terra e os céus... 

Se esqueço o meu Amor, 
pelas trombas colunares
vai em voltas volteando, 
recurvando, recurvando... 

Há uma Dor que fareja
nos meus olhos que turvam
pelo caminho dos seus
a debulhar-me em sussurros, 

há uma Dor que esfarela 
pelos rastos, pelos rastos
as cinzas do desencontro
dos que sonham lado a lado... 

Mas alegro minha graça 
ao Juiz supremo e anoso, 
e protejo o meu algoz 
com coroa de açucenas... 

Porque a música é a dor 
onde habito em cativeiro, 
só me basta uma fresta 
para dar-te a peça inteira... 

Vejo as claves deste sol, 
no suflar dos sustenidos,
revelar-te o corpo vulto, 
nas vibragens dos acordes

rente às hordas dos ciprestes 
sobejados dos orvalhos, 
onde o Nada cai num breu
que me apaga, que me esquece...

Carta VIII

Sabe, esse tipo de psicose, esse tipo aqui, leva qualquer um a converter-se. Mas eu não. Pergunte a quem for: "ele crê?" te dirão: "ele é quem?"
Atravesso meio Rio até Botafogo. Acredita? Na última eu me abri à doutora. 26 anos a doutora. Residente. Que desespero, meu querido, meu adorável capacete. 
Minha culpa. A doutora é responsável por renovar as receitas da minha irmã. E estava no meio de um surto, não lembro o gatilho, mas explodi no meio do consultório, crendo que aquela residente teria respostas. Qual foi a surpresa quando abri a boca para cuspir meus desejos suicidas pungentes? Ai, perdão, menina. Não quis ofender... 

Já sentiu vontade de dar com a cabeça no maciço? Era prática comum, na longe década, dar murros em aparelhos cansados de trabalhar: "vamos! (porrada) que a novela já vai começar, devia ter comprado uma Sharp!" Não sei tua idade, leitor, será que você lembra? Suponho que sim, mas voltemos à consulta. 

Bem, certamente a doutora residente está cumprindo a burocracia do receituário. Proletária, tadinha. "Daqui três anos sou psiquiatra, lá com 29!" Disse sorrindo, ainda branca demais pra comer tutu. Eu sei, o cinismo em poesia hoje em dia, ouvi de um poeta coach no YouTube, é "cafona, cafona!" 
Conheço meus preconceitos, mas sou levado a crer que neste caso o "tutu" realmente é desconhecido. 

Então meu amor, minha gatinha, veio com umas de que eu preciso mesmo de ajuda. Não! Devo correr nu pedindo pontapés no meio dos olhos! "Um escarrinho por favor, um escarrinho nessa boca que te beija!"
Olha, hoje eu não tô para falenas e acácias. 

Algumas vezes pude até sentir o cheiro de podre, feito um anúncio da profecia familiar. Costumo vomitar nos outros, depois reflito: "é, vomitei..." Como se o óbvio usurpador não se contentasse apenas em dar o golpe de estado no absurdo.

Em agosto faremos a viagem novamente, de trem é lógico, para Botafogo. Sair da minha toca de hobbit é lastimoso, mas que venham as aventuras! 
Fora isso, quitei a geladeira com a rescisão, show, né?
Odeio o LinkedIn! E haverá poema para eternizar esse ódio. 

Domingo. É um mel fechar os olhos, aqui no Condado, e adivinhar em cada canto de pássaro. 

28 junho 2025

Carta VII

Sob signo de Hécate seu servo maldiz a figueira onde os nossos nomes foram rabiscados a lápis d'olho. 
A morte vem remando com sua bengala de foice e ressoam os dobres fúnebres nos seus brincos de bronze, enquanto uma a uma as folhas dessa árvore precipitam em slowmotion, o fundo do inferno fica sem foco, o disco que toca é o Pornography. "Ah, maldita seja, mil vezes mais, demónia nerd!"
Passo um tempo salivando o amargor da sua ausência, "raposa! coruja! safada!" A tua escolha descaminha as minhas cismas, é o torpor onde a entrega do fruto e da flor é antinatural, previsível, anticlímax. "Veja aqui, aponto uma raiz podre, é fungo!..."

Tão relativa é a distância, o deboche, a teoria. Quando me podei crendo provocar saudade, jovial, guardei a voz de qualquer intento senil, fiz o mudo, juntei folhas, poemas em branco... 
Já são tantas estações, tempestades noturnas, gélidas de insônia, alardes emprenhados de inutilidade, poluções! "Socorris! Jesusis Cristis! M'ajudis!" 
Desenho bocas multiformes para texturar janelas fechadas... E é tanto, tanto desabrigo. "Tua culpa! Tua culpa! ansiolítica cacheada!" 

Eu que te devo tudo, reproduzo aqui, pela lacuna que deixaste, esse negativo que ninguém mais sabe(?), colagem de miragem a favor do orgulho ressentido. Está pago e não te devo mais nada, ok? "está cheio! cheio de cochonilhas!" 
Esta fase irá passar em breve, mas enquanto permanece, eu surto, digo, surfo. 

"Se ainda me ama ainda me tem."

27 junho 2025

notas para vanguarda poética

do - pós - humano - pós - o - quê? - 
enlatar-se para não se enlatar
desperformar-se para performar 
impor métrica quando a regra for livre
impor livre quando a métrica for 
impor o não-impor para desimpor o pós-impor 
ser tirano de si 
ser múltiplo mas unilateral 
não falar de amor para falar de amor 
ser vazio para ser profundo 
acorrentar a favor do nado 
cafona cofonérrimo cafoninha cafonão 
em suma para aparecer sumir 
oclinhos cult camisinha cult disquinho cult
crescer em favela para ter lugar de fala
usar anti e des e pós com sub-frequência 
cagar na mão e jogar em quem passa 
sublinhar absurdos inconfessos 
não ser para ser 
escrever para ninguém ler
esquecer que tudo é linguagem 
subverter a linguagem 
provocar tragédias para engrandecer a biografia 
morrer como catarse 
negar para não negar
como principal meta não levantar da cama
testar pra cima para cair no cuspe 
cifrar a possibilidade do leitor entender 
fazer pastiche de dadaísmo cruzado com budismo
não nascer para nascer 

26 junho 2025

notas para sukeban

seifuku gangues
city pop
anos 60 a 80
urbanização veloz
normas patriarcais e misoginia (redundância?) 
tensões sociais
crimes da juventude 
esploitation 
pink violence
bokkens 
desexualização na marra

25 junho 2025

natural intelligence

crise = (vivo - vida)

input = (digite seu nome:) 
se vivo = vivo;
         chorar depois do tapa
         mamar dormir cagar
         porquês de infância 
         crescer apaixonar 

crise

input = (digite uma profissão:) 
se vivo = vivo;
         sobir descer de elevador
         desejar acontecer voltar 
         transportes públicos mil
         desenganar ser sem estar 

crise
 
input = (digite uma espectativa:) 
            se feliz
            morrer dormindo 
            se infeliz
            morrer sofrendo 

break

24 junho 2025

Coisas Deleitáveis

Inspirado num texto da Izabela Cosenza

Escrever listas, poemas, prosas, pastiches, pinturas, devaneios, preguiças, desesperos, nasceres e morreres, palavras difíceis, inventar palavras, destruir palavras, palavras, sentenças, orações, a língua portuguesa, sotaque português, sotaque nordestino e nortista, gírias mil, palavrões cabeludos e hirsutos, referências de obscuras ao pop, contradições matemáticas, os bigodes de Nietzsche, de Cruz e Sousa e de Machado de Assis, o erotismo de Gilka Machado, chamar Gilka Machado de vó, rimas da classe mais baixa, a métrica, o verso branco, o cativo e o livre, sinestesias lisérgicas, descobrir bandas ou cantores depressivos, fumar maconha para ouvir música, descobrir escritores anônimos geniais, comer nuts enquanto assisto MasterChef, acertar um combo bom em Mortal Kombat, andar de moto na chuva, construir algo e depois olhar pensando: "fui eu que fiz essa porra!", aprender coisas novas só porque sim, hiperfocar na Segunda Guerra, dar paulada na cabeça de nazista, tocar bossa nova, aprender um acorde complicado, decassílabos simétricos, versos que fecham com Satã, mitologias judaico-cristãs, versos de Cartola, melodias do Tom, gatos gordos se espreguiçando, poetisas intensas, poetisas rasas, poetas gays, poetas atormentados, espelhos antigos, ciências ocultas, misticismos regionais, a ambiguidade da palavra essência, corrigir métrica e sintaxe, riff de contrabaixo minimalista, o Delta Blues, rir de humor de constrangimento tipo The Office, buscar referências em obras musicais e de literatura, entender como funciona algo mecânico, customizar coisas incustomizáveis, acordes dissonantes, contrastes absurdos, estereotipias sem culpa, pesquisar custo benefício, o dia que consegui casa própria, andar pelado em casa em dia de verão, fazer amor com amor, acompanhar o crescimento das plantas, o florir da flor de maio, ganhar algo para comer, comida apimentada, comer até explodir, psicodelias underground, cafuné para dormir, beijo afrodisíaco, conversar sobre algo que não sei com alguém que sabe muito mais, mulheres mais inteligentes que eu, livros antigos, cheiro de folha passada em mimeógrafo, proparoxítonas, mangás de ero-guro, filmes do estúdio Ghibli, sexos orais, bolo de aipim, cafezinho da tarde, ouvir meu nome da boca de quem tenho apreço, perfume amadeirado, ouvir declamar um poema meu, desenhar olhos em reunião,  ficar em casa a toa vendo vídeos no YouTube, jogar vídeo game quando quiser, organizar livros, fazer faxina ouvindo Smiths ou The Cure, morar no meio do mato, ser bicho do mato, a cor verde, provocar riso de criança com algo inesperado, fingir ser burro para alguém que eu amo se sentir mais confiante sobre si, peças de Shakespeare, solos de flauta doce, pudim bem feito, afinações abertas, mistérios do cosmos... 

glitch love

do amor ter sido a sorte
da morte 
do amor ter sido amor
tecido à sorte
do amor
à morte e a sorte
do amor ter
vencido 
do amor ter amortecido a morte 
e sido