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A minha cabeça
dependurada
no mastro,
a minha cabeça
desfigurada,
um astro.

A minha cabeça
de sonho
desguarnecida.
A minha cabeça,
suponho,
planeta sem traço de vida.

Não era pra ter sido



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Naquela vez você veio - a porta aberta
dentro da estranha noite que me entrou,
em meu quarto minguante toda oferta
das suas preocupações entregou...

Mas eu, bobo esquisito, mergulhado
em toda sorte de infantilidade,
tentei ser interessante e engraçado,
contando fatos sem profundidade...

E sentíamos o mesmo, talvez mais
do que um papo causal pode afirmar,
tanta coisa eu não soube segredar...

Agora, mal dos tímidos, sem mais
a estranheza da noite permanece...
.............................. ah, esquece!...

Introspectivo



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Não te vejo, não me vês... é provável,
talvez me tenham como narcisista,
indubitavelmente impenetrável,
chupando cigarrinhos de intimista.

A solidão se torna indispensável,
mas longe de ser tola ou derrotista,
o tédio, igualmente detestável,
preenche meu desterro pessimista...

Cativo da rotina, residente
da soma do que é velho e displicente,
não sei há quanto tempo vivo a esmo.

Os livros que não li são companhia,
meus discos de obscura nostalgia -
são temas do deserto de mim mesmo...

No trem



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Teus olhos, senhora... que arrepio!
Teus gestos de velha... que destreza
ao passar a página, beleza!
Fico a te fitar, assim, sombrio...

Fernando Pessoa com sua Mensagem
nas tuas delicadas mãos sem viço, 
parece que vejo... era miragem?
Fico a te fitar, assim, mortiço...

Teus olhos, senhora... dois açoites!
Quem me dera vê-los pelas noites
dentro do vazio... pouco importa

o que eu quero... foste embora e tchau!
Quem sabe hoje já não estás bem morta
sem chegar do livro no seu final?...

Cronologia



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Primeiro era o Espírito, todo ele preto, pairando sobre a meia noite. Verbo jovial e místico, empoleirado rebelde reverenciador dos libertinos mortos. Era detalhista dos simbolismos pós qualquer, tolo em meninice, fraco sublimado pela culpa, vomitório de caras paixonites desarticuladas, fanático por tudo que torpe lhe enaltecia o tédio mais fino, mais breve, mais falso. Sulcado pela ânsia venturosa de um desfecho ultra romântico, tencionava o suicídio por qualquer crise de tosse ou consciência; Ofélia boiando em fluído amniótico, um borra botas inveterado, que, embora mórbido e latente o seu intento engordasse, nunca o dera a cabo por nenhuma ação. Qual foi sua surpresa em descobrir-se, supondo que antes não soubera, que já não tinha em si, como prenúncio cru e lógico, as pistas apontando para seu crânio herdeiro de uma insanidade patriarcal, que já não metia nos bolsos seus prospectos encardidos de autopiedade e pretensa confissão. Bêbado arrogante até o talo. O hábito de cometer sandices o acompanhava firme, vivo e irmão. Sussurrava-lhe ao pé do ouvido o que era então, talvez, o zéfiro causador da sua febre e alucinação.
Depois de queimar sacrifícios à própria deformidade, veio o vislumbre da Essência, noiva de si; termo démodé impregnado de profundeza inócua, dado a tudo que precise de um núcleo impalpável, gasto por andar de boca em boca, atendendo a pedidos de quem quer santificar o cerne do que julga ser bom. Aqui e além brandia o sabre da alegoria, não do que era, mas do que poderia ser. Buscava abarcar o mundo e dava no bairro mais óbvio, crendo na predestinação que mais lhe aprazia, pensava ser outro, mas era o Espírito conformado, travestido e enganador, megalomaníaco de bar revirando os olhos e gavetas numa cruzada nova, por motivos turvos, aqueles... 
De tudo que era, logo mais, deu-se no próximo: A Negação. O Nada. Que menos seria? Submerso em toda aquela complexidade bostal, sentia-se satisfeito, sorria-se ao enfeitar de quadros sublimes sua estupidez social, nunca alcançara prazer igual. Arquiteto da inconstância, ali cansou-se de tudo, pôs fim a tudo, derrubando os sustentáculos daquela grande construção - miragem paupérrima, nem servia aos pombos como ninho e proteção.
Hoje, em suma, assume algum controle sobre um corpo irregular e trabalha. Mantém a mania de colecionar papeis amestrados em gavetas raras e velhas, mas o faz por motivos medicinais, assim o diz. Não entra em contato, despreza. É o sumido, duro de peito, boceja para os problemas de família, faz quase tudo por uma ninharia, engole dúzias de sapos aos borbotões, nega cigarros a indivíduos suspeitos na estação de trem às 6 da manhã, faz menção de ser rude, mas tem piedade. No entanto, mal sabem, pensa ainda em dividir o maior amor do mundo.

Nuvem



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Acordo cansado
e nesse cansaço
em que me condenso
encontro o estado
de um vago compasso
e fico suspenso

no sonho que todo
sufoca-me mudo
o corpo sem massa
e o súbito lodo
expele-me tudo
sou nuvem que passa

já nada me espanta
na minha garganta
ressoa um som rouco
por tua beleza
inútil tristeza
decreto - estou louco

e fico mais velho
eu fumo e espero
num banco de praça
e vejo teu rosto
que lindo seu rosto
na nuvem que passa


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O que há de espetáculo num dia de outono em um ano vil? Se do receptáculo algum ser de carne se evadiu, e, embora ainda disforme arraste as asas da sua conduta, crendo tornar-se verme mais óbvio que um filho da puta, desenlaça, para lá da casa dos vinte, alguma soma nos poucos anos de pedinte.


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Quando lembro das cartas,
estúpidas canções
dão play no meu córtex,
dizia: "quase ninguém ouviu!..."
Ah, como eu era imbecil!

Os meus poemas, (deus, poemas?)
eram ouro, prata e bronze,
que, choroso, lhe entregava,
dizia: "olha, ninguém mais sentiu!..."
Porra! eu era muito imbecil!

De fato, taciturnamente,
entrego-me ao delírio, tal
é a minha fortuna em mim...
Penso: "tudo e mais se extinguiu..."
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