24 julho 2025

Voragens

Que faço se as voragens não me largam?
Reduto da paixão, quanto padeço 
e pago novamente um caro preço
por um papel de versos que te amargam...

Reduto da paixão, me dê teu preço,
um preço para os braços que te largam,
vitrine de sonetos que me amargam
no corte dos pedaços que padeço...

Bonito isso a dúvida, não vês
que tudo se repete ou contradiz
e volta a te dizer mais outra vez

e assim dizendo vai e não prediz
aquilo que produz no que tu vês,
que não dizendo diz o que te diz...

23 julho 2025

It's so cold

Abre, Inverno, seu corpo retinto,
desaba sobre o vale, romantiza
a tarde que mansinha vem, me pisa
que mais eu tremo, estalo e sinto 

e quebro retalhado, tanto instinto 
me ocorre transversal pela divisa 
e na espinha dorsal se cristaliza,
que a dor me fez melhor e mais distinto...

Rasga, Inverno Cálido, os instantes
que te conheci os olhos conflitantes 
da nova ambiguidade boreal,

que mais avanço e galgo, que te banco
nesse deserto estéril de tão branco,
tão branco quanto a Morte, quanto o Mal...

22 julho 2025

Flâneur

Há algo. Não durmo. Clico teu perfil,
aumento a foto, pego-me sorrindo
olhando o teu fitar, que me despiu
fitando assim estático, me abrindo 

tão lento e mais que lento, feminil  
e morno me tragando, um trago infindo,
magnético, morno, lento, vil —
itálico, disperso, longe, lindo,

e o nublo olhar me fala, conversamos
sem nos dizer palavra, nos tocamos 
em closes afrontosos e soturnos,

e o anjo olhar me rende, me remove,
embora eu nada tenha que lhe prove,
além de uns decassílabos laburnos...

21 julho 2025

A Justa

Se sabes, cara dama, deste vate
a quantos anda o pulso, que não meço,
que aqui não há limite, te confesso
que nada disto é amor, mas sim combate!

Contrário a me poupar de todo abate,
desnudo o elmo e a malha, me ofereço
sabendo ser lançado, te obedeço,
e mesmo que tal feito, então, me mate...

Servi-la, que servir é minha sina,
será, por mais complexa a toxina,
melhor que não te ver, não te escutar...

Não sabes como entendo essa fraqueza 
de ser mais desejada que a certeza 
de ter alguém pra quem se declarar...

19 julho 2025

Handroanthus Albus

Ou poemas dedicados ao Sol
 
Jamais direi, não mesmo. Se disser
do arrepio adocicado que provoca
a simples assonância da tua boca,
que diz-me tudo aquilo que se quer.

Não digo, e sem dizer nada sequer
lacuno uma certeza que me choca,
e o quadro que te beijo se desfoca
na lente do silêncio que é não ter.

Espero que desflore a primavera,
que agora furta cores de quimera
no lance que acontece — que castigo!

Que néctar de sol borboleteio!
Que febre, que luxúria, que tonteio!
Que nunca te direi, que te não digo...

Carta XI

Certo de que lhe prometi resignação versificada, procuro entre os arquivos daqui, dali e pronto! Documento lavrado no cartório Angenor de Oliveira, que descreve: 
"Para todos os fins, seja dada a proibição contínua de escrever-te ou descrever-te, até a segunda ordem." 
Porém, arrisco-me, subversivo do verso, no disfarce de prosaicas imagens discursivas. Claro que tomei a liberdade de simplificar os termos jurídicos, dado o teor confessional desta prosa, que se sabe limitada e hermética para os emancipados poéticos. 
À mesa, sob a bênção lunar, sentamos na partilha do silêncio. Há qualquer humor infeliz que te escolta, um cheiro peculiar, além do costumeiro de mentiras. Embaraçado, tento decifrar-te, já que para os autos do ofício, ainda posso fingir-te Esfinge, e como mentiroso igual, te absolvo, te pondero, mas não me devoras...
E nada mais. Concluo o caso como o arquivo: "indefinido". Tudo bem, ameríndia lânguida. Quaisquer que sejam tuas queixas, existe um raio de sol por onde a glória da guilhotina desce sua bênção avassaladora e, Tupã o sabe: desde moço o meu pescoço pontilhado espera, ultra-romanticamente, pelo golpe transcendental!
 
Sem mais, do teu escrivão submerso 
e náufrago do abismo.

18 julho 2025

Stims XVIII

Estou fadado ao feitiço 
de me ver no que saboreio 
e, pasme, tomar como indireta 
aquilo que, tonto, leio! 

E logo imagino o cenário 
em que alguém me põe no meio, 
pasmado e envaidecido 
daquilo que inventei, que creio... 

17 julho 2025

Ode ao Fogueteiro

Salve, moleque - 
canela russa, 
cara de qualquer coisa, 
estagiário do Movimento. 

Acende o de 12 
e corre, não, 
e voa
antes que sua mãe chore... 

De radinho na esquina 
vai avisando, 
vai zolhando, 
vai fumando, 
vai contando, 
vai comprando quentinha... 

Salve, de menor, 
com a cara de ruim, 
invisível, mas ruim, 
que se vê só quando é ruim, 
que ilustra capa, 
que vende matéria, 
que não tem matéria.

De radinho na entrada, 
fica segurando, 
fica aprontando, 
fica não sonhando, 
fica e vai ficando... 

Salve, cheira-cola! 
que te deram
teu ferro agora, 
que pra ser homem tem hora, 
que te deram sentido
na margem do sentido. 

E quando você faz
o que todo mundo sabe
que você vai fazer 
a culpa é só tua... 
A vida simplesmente continua.