IV O Sacerdote



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Silêncio na penumbra que meditas,
coçando do teu falo o cancro duro, 
desejas a pureza do gorjeio 
filtrada por vitrais engordurados,

lá fora corre o riso onipresente, 
completo como tu não podes sê-lo, 
conspiras orações de mendicante 
propondo toda forma de barganha, 

e desces as escadas do teu templo,
arfando grunhos chulos de chorume, 
tua bata suando fátua teus farfalhos... 

O cervo escapa livre e te debates 
na neblina espalhando o nimbo véu 
heroico do paterno Belzebu!...

VIII



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Amado dos meus cantos rarefeitos, 
restritos num acorde mal montado;
louvor aborrecido e deslocado, 
não pôde fazer jus aos teus preceitos, 

nem nunca imaginar os teus trejeitos 
enquanto tu me lês desconcertado
e sentes que o que eu digo foi pensado 
por quem te beija até por teus defeitos... 

Amado que jamais ouviu, latente,
do corvo o miserere displicente, 
paupérrimo, truncado e desigual, 

que sendo assim esdrúxulo torcido, 
sugere parcamente algo vencido, 
ungido, ressurreto e triunfal!... 

III A Criança



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Acordo desconexo e reconcilio 
o caos dos meus sentidos desarticulados, 
de pronto te procuro pela casa e saio 
descalço no jardim onde contorno acácias 

e ali porque perdi do teu destino o rumo,
ferido de perfume por qualquer espinho 
conduzo pelo breu meu desespero ufano 
com mãos inconsoláveis feitas de vingança, 

encontro-te no ontem e já despetalado,
teus membros entre espasmos de inocência ida - 
no choque roxo puro, surto criminal! 

E o riso como luto me vestiu suspeito,
deitado no teu resto, reunido e impuro 
no jorro tanto êxtase quanto digressão. 

Carta XIV



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Ando projetando meu espírito, sabes. Daqui dali colhendo, mastigando, refazendo, perseguindo linguagens do meta tradutor que almejo.
De manhã, desde que fui ao neuro, fico status: lento (- 10% movimento) (+ 50% percepção), oráculo sustenido, mas desassociado, pulo fora da canção, do tempo, atonal e corrompido. 
Compreendes, eu vejo, julgo ver... suponho tua empatia e confiança, agora que em teus ombros repouso a voz, intento a imagem límpida, a suja, que te insira na paisagem, quando a beleza vier montar o espetáculo de outono, sempre outono é lindo, mas sem teus olhos é só folha seca, mofo contradito, qualquer alegoria que é finita em si e acontece longe. Livre arbítrio que nada, somente há o que há de ser e sendo basta... basta, né? 
O que fizemos nós dois de nós mesmos? Se a vida é isto ou aquilo outro, se lá desce aos círculos de lirismos medievais, se aqui sobe escadas de plasma a dar mata leão em anjo, se em tudo se desdobra  incessante porque e só porque estamos vendo, documentando, dando ângulos, profundidade, textura, enquanto somos. Bem, a qual lugar cheguei aqui? 
É próprio dos doidinhos confessar seus vaticínios, então não me venha rir de frente, aguarde o fim. 
Finjo não ser ingênuo, ao menos não em aspectos medianos de ingenuidade. Cresci rodeado de mulheres e nessa âncora me agarro, aporto no cais que invento e, que graça, acredito.
Comprei um Rimbaud seminovo, agora está no centro logístico de São João de Meriti, passando de mão em mão na abissínia carioca, vou desposa-lo em breve, Verlaine que não saiba, careca fudido!
Já viste o filme Ágora de 2009, com Rachel Weisz? Essa semana fiquei stalkeando Hipátia de Alexandria, como ninguém nota Shakespeare de autor-fantasma nessa história? Então, compus uns decassílabos pensando em ti, espero que goste, mesmo traçando paralelos com outra mulher que foi brutalizada violentamente, goste, ok?
No mais, é isso. 

Hipátia



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Teus olhos decididos descortinam
no quarto da manhã por qual despontas, 
consecutivamente se iluminam
os cômodos, as dúvidas, as contas, 

as mãos que curvam forças rotineiras 
num gole de café, tão soberanas 
traçando movimentos, costumeiras 
à moda proletária das urbanas. 

Avanças sobre a turba nas calçadas, 
munida com teus fones introversos 
que vibram melancólicas porradas
sensíveis aos ouvidos subversos, 

compassam na cidade desmelódica
teus passos que afrontosos recolorem
a boca murchecida e episódica
que diz-nos, tirânica: que implorem!... 

Espreme-te nos vários suprimidos 
vagões convulsionados, transitórios 
espaços permutados e contidos 
no clima que remete ao dos velórios 

de quem trabalhou sempre, tanto a custo 
da própria concordância, subalterno
do que a sobrevivência torna justo, 
presente tão fantástico e moderno

que entendes feito maga, confessora
das práticas belezas, das elipses 
erráticas da Vênus promotora 
que dita a competência dos eclipses

completos, delirantes e dantescos
que só teu ventre pode suceder, 
assim como a palavra volta frescos 
os ventos que te vêm anoitecer

no ponto quando um velho vaticínio
recorda-te dos anos mais escuros, 
passando nos esquadros de alumínio
o filme que remonta teus futuros... 

E voltas desmembrada, convertida 
no afago que com precisão produz
os quadros hemorrágicos da vida
que pulsa por cada rastro de luz.

VII



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"Esta rosa desbotada, 
já tantas vezes beijada, 
pálido emblema de amor;
é uma folha caída 
do livro da minha vida, 
um canto imenso de dor!" 

Casimiro de Abreu 

Arranco desse turvo mal-me-quer 
a oculta dissidência do Destino 
que fez de mim spleen de Baudelaire 
pulsando todo gênio antidivino! 

Eu sou concupiscência, não mulher, 
é fato e sobre os fatos desopino, 
não quero quem me quer e quem não quer 
me tem completamente em desatino! 

Fadada à toda distribuição
injusta, infecunda de noção, 
sozinha no meu leito primavera, 

meus versos esculpindo a desrazão
no mármore que dorme o coração 
como epitáfio um grande: "quem-me-dera!" 

II O Zumbi



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Que saudade de cair meus fatos! 
Verde musgo vem cobrir-me o úmido 
putrecido do ideal mortífero, 
que pecado sem utilidade!

Quando arrasto pela campa laica 
todo fim que nos espera vivo,
vou rangendo procurando um justo 
que alimente a minha dor de ser. 

Quanta falta de servir meu tempo 
para quem habita o chão dos burgos,
recolhidos sob à luz dos céus,

quando outrora do osedax faminto 
não pulsava esse festim orgíaco
de fervor a revolver no estômago!

Carta XIII



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Lembra?... Aconteceu a matéria física dos corpos orbitando os dias, suspensos no tempo, nos agoras flashs fotográficos. Tudo é esquecível.
Manipulo, sugestiono, convenço, dobro roupas embalado pelos discos de conforto, penso: haverá o tempo que os jovens não entenderão o conceito de um disco e seu contexto? É hoje? Importa?

Voltaste dos outroras, das miragens curvilíneas, subverteste a boca tradutora do silêncio, impuseste as mãos aos meus enfermos versos e disseste: "vai, e anda!" 
Quando eu dominava as musas outonais trouxeste teus jasmins, tuas acácias, teus ipês, tuas flores de maio, as tuas, os teus...

Demoro, ritualístico, lapidando o subjetivo, sou o rei deposto, decapitado, de olhos abertos furto os lumes fugidios, as músicas fluviais e bentas... 
Pequei quando a expectativa era que fosse eleito, digno do arrebatamento, do emprego da palavra, dos infravermelhos véus químicos que revelam a identidade nos astros, dos planetas em zona habitável, das anãs escarlates, demarco fronteiras com bandeiras de sangue, coagulo mágoas, inoculo peçonhas, morfinas, transcenderam-me os espectros dionisíacos no éter, roubei Prometeu e deixei o fogo primo sobre o altar bizarro do mito, intocado, indexado e precito.

Lembra?... Eis o gêiser de brados bélicos ecoando, eis as cruzes nos ombros dos atlas modernos, as tripas de titãs aos bicos dos abutres críticos, quanta fome, quanta sede, quantos boletos bancários, quanto esgotos boquiabertos, Lázaros bichados, quanto esquecimento...