27 abril 2025

IV O Sacerdote

Silêncio na penumbra que meditas,
coçando do teu falo o cancro duro, 
desejas a pureza do gorjeio 
filtrada por vitrais engordurados,

lá fora corre o riso onipresente, 
completo como tu não podes sê-lo, 
conspiras orações de mendicante 
propondo toda forma de barganha, 

e desces as escadas do teu templo,
arfando grunhos chulos de chorume, 
tua bata suando fátua teus farfalhos... 

O cervo escapa livre e te debates 
na neblina espalhando o nimbo véu 
heroico do paterno Belzebu!...

26 abril 2025

VIII

Amado dos meus cantos rarefeitos, 
restritos num acorde mal montado;
louvor aborrecido e deslocado, 
não pôde fazer jus aos teus preceitos, 

nem nunca imaginar os teus trejeitos 
enquanto tu me lês desconcertado
e sentes que o que eu digo foi pensado 
por quem te beija até por teus defeitos... 

Amado que jamais ouviu, latente,
do corvo o miserere displicente, 
paupérrimo, truncado e desigual, 

que sendo assim esdrúxulo torcido, 
sugere parcamente algo vencido, 
ungido, ressurreto e triunfal!... 

25 abril 2025

III A Criança

Acordo desconexo e reconcilio 
o caos dos meus sentidos desarticulados, 
de pronto te procuro pela casa e saio 
descalço no jardim onde contorno acácias 

e ali porque perdi do teu destino o rumo,
ferido de perfume por qualquer espinho 
conduzo pelo breu meu desespero ufano 
com mãos inconsoláveis feitas de vingança, 

encontro-te no ontem e já despetalado,
teus membros entre espasmos de inocência ida - 
no choque roxo puro, surto criminal! 

E o riso como luto me vestiu suspeito,
deitado no teu resto, reunido e impuro 
no jorro tanto êxtase quanto digressão. 

24 abril 2025

Hipátia

Teus olhos decididos descortinam
no quarto da manhã por qual despontas, 
consecutivamente se iluminam
os cômodos, as dúvidas, as contas, 

as mãos que curvam forças rotineiras 
num gole de café, tão soberanas 
traçando movimentos, costumeiras 
à moda proletária das urbanas. 

Avanças sobre a turba nas calçadas, 
munida com teus fones introversos 
que vibram melancólicas porradas
sensíveis aos ouvidos subversos, 

compassam na cidade desmelódica
teus passos que afrontosos recolorem
a boca murchecida e episódica
que diz-nos, tirânica: que implorem!... 

Espreme-te nos vários suprimidos 
vagões convulsionados, transitórios 
espaços permutados e contidos 
no clima que remete ao dos velórios 

de quem trabalhou sempre, tanto a custo 
da própria concordância, subalterno
do que a sobrevivência torna justo, 
presente tão fantástico e moderno

que entendes feito maga, confessora
das práticas belezas, das elipses 
erráticas da Vênus promotora 
que dita a competência dos eclipses

completos, delirantes e dantescos
que só teu ventre pode suceder, 
assim como a palavra volta frescos 
os ventos que te vêm anoitecer

no ponto quando um velho vaticínio
recorda-te dos anos mais escuros, 
passando nos esquadros de alumínio
o filme que remonta teus futuros... 

E voltas desmembrada, convertida 
no afago que com precisão produz
os quadros hemorrágicos da vida
que pulsa por cada rastro de luz.

23 abril 2025

VII

"Esta rosa desbotada, 
já tantas vezes beijada, 
pálido emblema de amor;
é uma folha caída 
do livro da minha vida, 
um canto imenso de dor!" 

Casimiro de Abreu 

Arranco desse turvo mal-me-quer 
a oculta dissidência do Destino 
que fez de mim spleen de Baudelaire 
pulsando todo gênio antidivino! 

Eu sou concupiscência, não mulher, 
é fato e sobre os fatos desopino, 
não quero quem me quer e quem não quer 
me tem completamente em desatino! 

Fadada à toda distribuição
injusta, infecunda de noção, 
sozinha no meu leito primavera, 

meus versos esculpindo a desrazão
no mármore que dorme o coração 
como epitáfio um grande: "quem-me-dera!" 

22 abril 2025

II O Zumbi

Que saudade de cair meus fatos! 
Verde musgo vem cobrir-me o úmido 
putrecido do ideal mortífero, 
que pecado sem utilidade!

Quando arrasto pela campa laica 
todo fim que nos espera vivo,
vou rangendo procurando um justo 
que alimente a minha dor de ser. 

Quanta falta de servir meu tempo 
para quem habita o chão dos burgos,
recolhidos sob à luz dos céus,

quando outrora do osedax faminto 
não pulsava esse festim orgíaco
de fervor a revolver no estômago!

20 abril 2025

VI

Não mordes dos meus lábios a romã
por toda vez que queres consumi-lo
e quando ferve o sol desta manhã 
não tomas minha pele como asilo? 

Não beijas ofegante meu pistilo 
na estática textura de uma lã
na mesma noite sempre a conduzi-lo
tão longe da virtude que é vã?

Não podes segredar teu destempero
infante do que diz ser desespero
no abismo de infinita plenitude? 

Não gozas cada grumo de ambrosia 
no quarto em que tua mão me asfixia
o sonho que deixei na juventude?... 

19 abril 2025

Hosana!

Ao painel do micro-ondas te dedico, 
macarrão parafuso vespertino;
feijão - ovo estralado te confino
no que deixo, que como e comunico,

no fundo da província o prontifico, 
microcosmos que sugo e denomino
em garfadas, errático, ferino
o sabor doutra fome metrifico. 

Depois de refolgar minha algibeira, 
ataco por prazer a geladeira 
que esconde chocolates pelos quais 

salivo teus efeitos paralelos, 
na impregnação dos caramelos
de trufados Jesus Cristos pascoais!