Casa Amarela



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É noite. Guarda, amor, meu nome clausurado,
selado à sete chaves atrás da tua porta...
Jamais soubeste o quanto tenho ocultado 
nessas linhas febris, quanta melodia morta...

É noite nos jardins do teu doce cuidado,
traz à memória a essência, que nada conforta...
Se te vejo sorrir como tenho sonhado
não respondo por mim e pouco mais importa...

Estou preso, não vês? Melancólico a esmo,
divago a procurar-te dentro de mim mesmo
e por vezes me perco girando espirais...

É noite e ao longe acena minha alma, flutua 
sobre o mar da saudade compulsiva e crua
de nunca mais te ter, de nunca, nunca mais...

Desenhos da Infância



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Olhos entreabertos de sangue pisado,
um corpo de um gigante decapitado,
demônios nus em posições estúpidas
sobre o montante de carcaças pútridas...
Tesouras aladas serrilhadas 
amputando asas pétalas de fadas...
Uma casa, janela de madeira, vaso de flor,
sob o sol sorridente a se pôr...

Pedras multiformes munições 
para fundíbulas assassinas de dragões,
pântanos borbulhantes onde notívagos
vampiros procuram por novos afagos...
Olhos de gatos acesos, julgadores...
Onomatopeias de choques multi-cores...
Uma cachoeira de luz efervescente 
onde as sombras observam a água corrente...

Avulsos Atípicos IV



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I

Faça filhos - dádivas, presentes...
Para que, Jesus, se planejar? 
Para que escovar os dentes?
Para que comer, beber, pensar?...

II

Existe um "eu" que pensa - um conceito 
que aprendi num livro sobre autismo,
e existe um "eu" ativo, um "eu" perfeito 
que faz e quer fazer - que romantismo!

III

Pessoas são bocas. Pessoas são 
o abrir e fechar de lábios eloquentes,
mantenho o foco - lá fora um furacão
passa... E nós seremos confidentes...

IV

Olhar em teus olhos é como despir-te 
tão lento quanto um pulso cardíaco.
Olhar em teus olhos é como cobrir-se
de um encanto, de prazer demoníaco...

V

Trabalho! Eis o deus, venere-o já!
Quanto mais teu sangue ele suga
mais do teu sangue ele desejará...
Não há descanso, tempo, amor, fuga...

VI

Sete horas da noite, minh'alma desertora
debanda para os mundos abissais, 
deixando uma desordem promissora 
engasgada nas minhas cordas vocais...


Coração



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Vai e esmaga feito fruta madura 
teu coração - hábil enganador,
que revestindo de uma ideia pura 
traz toda branca a treva da dor...

Eu digo: não! E o coração perjura!
Sorrindo espalha a essência da flor
nessa provável fria sepultura
em que vivera encoberto o amor...

Se de repente percebes ávido,
teu peito cheio de esperanças vis, 
quão de loucura estarás já grávido!?

E ainda sim, pobre de ti, sutis 
serão os quereres deste inválido
que quer fazer de ti tão infeliz...

Quem vai apagar a luz



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I

Deitados os dois, o quarto acesso, tarde da noite, sono, cansaço, apocalipse... Ela levanta, questiona, sustenta a hipótese que traz à tona um trauma; o descaso, o desprezo, como alguém enjoasse de alguém como muda o sabor de gelatina, vídeos de coach de relacionamentos, repete frases, nada mais verdadeiro testifica esses tempos líquidos. 
Trouxe água gelada. Bebemos.
Cada vez mais tenho citado Bauman sem ter lido um só livro. A filosofia do meme, eu sei ser ridículo. O medicamento vai despedaçando em cacos os meus vitrais interiores e todas as artes sacras hora sorriem, hora choram na minha capela. 
Um beijo matutino, gosto de café... Tenho me acostumado a esconder o caos. Onde estará? Talvez tecendo sua teia no mofado do cérebro, alimentando sombras silenciosas. O caos, onde andará seu passo lúgubre?...
Apaga a luz, amor, mais perto do teu lado da cama.

II

Passeio pelo domingo musical. "Every day is like sunday..." Eu me recuso ao cinza. Bonito, senhor Morrisey, sua tristeza cai bem nessa estética oitentista, mas o Smiths nunca mais vai voltar!!(?) Não, nem o Joy Division. (Risos)
Uma raposa correu pelas escadas, ligeira, ligeira, no caminho um gato preto, todo ele cicatriz, conversador canalha e boêmio, né? 
"Já ouviu Ella Fitzgerald? 1957! Que ano!"
Jazz é coisa fina. Uma ova! Cada um ouve o que quer. 
Já já escurece, mas antes tem esse sépia filtrado pelos óculos. 
Então aí está o caos. Criança da noite. Enquanto há silêncio eu me deleito com a trégua, é pausa na comédia. Um espaço para suspirar e contemplar o verde do vale. Domingo de música, teatro sem drama.

Cheio



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Eu digo ao meu amor: ''já não há tempo, invente meu espaço dentro do teu corpo, que enfim me transborde; represa falha, lama e barro, avalanche torrencial de estrelas púrpuras, super novas místicas, imprevistas...
Eu caio sobre meus próprios pés, bêbado de euforia. Logo, por falta de tato, tanto invento mapas, quanto esculpo a madeira invisível que abaúla o tesouro futuro. Rompo tímpanos, cadeados centenários, brando sabres em desertos idílicos buscando o oásis... No fim, do fruto os seus sabores são mentiras agridoces...

Ouço Caetano, segunda feira, salvo a cifra, não é fácil, nem difícil. Quero qualquer coisa que me fuja e me acenda, quero não querer desviar o meu olhar da tua boca. Longitude, entre nós o caos tomou seu trono e decretou sua Lei do não sentido, do amor vivido e não vivido.

Estou cheio, amor. Já devem ter dito os velhos filósofos que a expectativa é o mal, é doença crua. Quero me salvar desse desespero, intento meditações,  emulo mantras da Ásia, esmurro pilares de templos que não caem, nem uma só poeira sobre a cabeça dos príncipes resvala e o riso de toda gente em volta testifica a comicidade da minha total cegueira.

Montei uma playlist de músicas românticas, coisa fina, eu acho. Enquanto qualquer jogo me distrai, recordo que o nome do meu planeta rima com ingenuidade.
Nada é garantido, além do que eu não te digo. Estou repleto, luminescente, pronto a explodir de tudo. Não mais me abalo, me convenço, me obrigo, me escravizo, o mundo me enche e a tua mentira já não é novidade, amor, tua peça é uma reprise às moscas...

Contudo, prazer, não é? Aplausos! Aplausos! Magnífica! 

Vazio



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Sento. Já não espero nada. Pouco importam os itinerários, horários e conduções. Fazia tempo que em meus olhos o ardor do sal não dava as caras. Eu tenho chorado como antes, pelos cantos, por dentro. Engasgo com teu nome na minha boca, cuspo sangue, sorrio... 
É tão triste, amor. Qualquer coisa que ponho aqui eu digo: "é arte". No fim das contas eu vou morrer sozinho, de orgasmo, transando com um anjo nas portas do paraíso. Espero que Deus assista tudo bem quietinho.

Perguntei à doutora: "é normal cogitar pular de ponte, atravessar rodovia de olhos fechados?" Tão jovem a doutora, eu vi que empalideceu de susto, típica burguesa caridosa. Eu fui muito cruel? "Procure um especialista! Mas estamos marcados, até a próxima!" Tão branca a doutora, nunca pôs prego na chinela.

Ligam-me. Atendo. Do outro lado: "Alô, Ivan, Ivan, por favor!" Respondo: "é engano, desista do Ivan!"

Eu digo ao meu amor que estou vazio. Tantas vezes estive vazio que soa uma típica piada de expectativa. Ele vai dizer que existir é um peso, que não há sentido no que não deve ter sentido, que consciência isso, filosofia aquilo, psicologia aqueloutro, que já dizia no livro tal, na página tal, no poema tal que o foda-se tem que ser dado de uma vez, bem no meio da tua cabeça inútil, no meio dessa reprise arrastada...

Agora eu posso deitar e esquecer. Só por um momento esquecer. Larguei o álcool, o cigarro. Eu posso deitar e esquecer...

Lembro-me quando fazia versos sentado na janela da casa abandonada. Eu imitava o Baudelaire, o Cruz e Sousa, o Rimbaud, o Augusto era mais difícil, devido ele ser muito dos anjos. Sentava meu sobrinho na sala e pedia silêncio, eu recitava:

"Quero amar, amar o mar,
tanto amar que me afogar..."

Eu digo ao meu amor que estou vazio... Sento, já não espero nada. Nem o riso vem da expectativa. Não existe piada. Não existe poema. Só o vazio.

Cada um morra com o seu. 

Ao Cavar



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Ainda mais fundo - o odor 
da terra molhada, do suor,
vivo-morto, não sei se entro
ou se saio do meu epicentro...

Fui deposto, decapitado
por esse outro mascarado,
fui decomposto tão lento
sendo soprado pelo vento...

Outro golpe, mais ainda, 
cavando essa cova infinda...
Outro golpe, um baque duro
responde: não, não há futuro! 

O homem é medido todo dia
por seu recurso e serventia...

Ainda mais fundo - o amor 
às vezes é somente se opor...
vivo-morto... me arrastando 
não sei até onde ou até quando...

Clonazepam



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Deito-me lento, soturnamente
envolto em velhas mortalhas rotas
depois de espremer o conta gotas 
que me regula, mas não me sente...

Quero apagar. Então prontamente
como alguém que descalça suas botas
descarto pensamentos idiotas,
e o meu vazio se faz aparente.

Combato o pensamento invasor -
Esse agressor que nunca dialoga,
sempre chapado de alguma droga...

Sempre chapado de alguma droga
meu espírito, hábil galanteador,
morre um pouco, dorme, um pouco afoga... 

Transi



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O Tempo impiedoso, que desconhece
do velho cansaço que te exaspera
ao novo milênio de mais uma Era.
Tempo que inexiste, mas acontece...

Tempo que me toma e que me oferece
o vil desconforto que desespera 
quando a dor se estende por uma espera
que nos enferruja e nos apodrece...

Qual deidade arcana teceu teu signo 
que não é nem bondoso nem é maligno,
O deus primordial da conformidade?

Tens todas as faces da Morte ou Vida
e não tens nenhuma reconhecida,
teu corpo no espaço é a deformidade...


Avulsos Atípicos III



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I

Desce ao fundo abismal, cujo 
teu cérebro arquiteta o estético
teatro da mentira, o mais sujo
anseio de não parecer patético.

II

A mão sempre estendida de horror,
já quase cadavérica, nota-se
a intenção de tocar o interruptor 
onde Deus mandou por o Foda-se!

III

"Apto para exercer a função proposta.
Apto para cumprir, vender, comunicar.
Apto para não perguntar, não dar resposta.
Apto para morrer antes de se adaptar."

IV

Até mesmo um brinquedo retorcido 
pela ação do tempo e da melancolia,
tomado por alguém embrutecido 
encontra alguma estranha serventia...

V
"Fica para trás, retardado!
O silêncio da tua ausência 
será de certo apreciado 
com toda nossa irreverência!"



Doppelgänger



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Já não tenho meu rosto embrutecido
que julgara exclusivo e consequente,
não me pesa o transtorno diligente 
de ser suficientemente fingido...

O outro-meta está sempre à minha frente
no impalpável toque de Narciso,
cada passo me espalha o sangue quente 
e meu rastro esvanece - impreciso...

Será também banal a dor e idêntica
a tua dor? Meu igual, seria autêntica
tua fome, insistência e desconforto?

Quem me dera alcançar-te e antropofágico 
encontrar-me em teu fim, num riso trágico
e sermos logo um só - silêncio morto...

Para o Náufrago



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Tela de óleo, alma do Luar!
Barco ancorado em nuvens 
que a propósito, tão inúteis,
não chovem a tristeza que tens.

Quem te dera, deslocado,
saber-te breve como a infância 
que tu não cansas recordar 
cheio de insignificância.

Nada em ti te pertence,
embora busques certezas 
que enfeitam tardes vazias 
com falsas e frágeis grandezas.

Nada em ti vale o esforço 
de cumprir o que é prometido...
Que destino será naufragar
sem jamais haver partido?!

Parque Shanghai



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Aberto o portal para a alegria,
da longe infância a fantasia 
vem me atenuar o distúrbio
de existir um alien no subúrbio.

Deidade de ferrugem, tu és
magia desde 1910,
morrerei - o tempo me atrai,
como tirou dentre nós meu pai...

Aos pés da Igreja da Penha
tu que reluz, tu que desdenha 
das telas da modernidade 
és lembrança, também eternidade.

Chá de ervas



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Quando à tarde cai o sol dormente
e uma ânsia de agir me invade
e meu coração transborda de vontade
que comprime e expande velozmente...

Colho as folhas de cidreira e hortelã
e um perfume acalenta os meus dedos 
envolvidos de místicos segredos,
já a ânsia se percebe fria e vã...

Vejo a água borbulhar fervura
e o vapor que inebriante acalma 
a minha boca que bebe a minha alma 
espalha o aroma da total doçura...

Anoitece em meu olhar castanho
e a quietude desta trégua abrupta 
traz desprezo à minha dor corrupta
emoldurada num altar estranho.

Meus 8 anos



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Era um sonho recorrente 
deitar sobre papelão,
coberto de um trapo dolente 
perto da chuva e do trovão...

Desses desejos sem perna 
nem braço, tronco ou cabeça,
gritar um nome na caverna,
morrer antes que anoiteça...

Ir limpando toda cidade 
pendurado a um caminhão,
dar costas para a humanidade:
ser a chuva e ser trovão.

Alvejante



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Por mais que o cheiro da dor esteja 
espalhando sua metástase 
feito bruma pelo vale úmido,
por mais que o prenúncio da morte 
anuncie o sabor das lágrimas 
destinadas ao dia derradeiro...

Ele chega. E não há sangue nas portas 
que te proteja, nem magia 
que te proteja, nem palavra
que traduza o alarido da língua inerte.


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Abro os olhos e tento 
capturar a luz que recria
no espaço e no tempo - o momento,
mas só há uma anomalia.

Quem me dera ouvir contigo 
o uníssono das eras,
crer no amor, esse inimigo 
tão real quanto as quimeras...

Tudo é falso! Vaidade 
que esconde-se e maquina,
e eu que vivo outra realidade 
não sei o que me destina,

não sei onde é que reside 
o inquilino do meu sonho,
se um dia ele decide 
ser um anjo ou ser medonho...

Construção



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Primeiro, definido o espaço
e o tempo para o emprego das mãos,
o sonho da não indigência
e do não desespero noturno,
em cada vez que se cogita a presença do despejo 
atrás de uma porta adotiva.

Ali o suor e a lágrima aspergem 
sobre cada buraco úmido...
Cheiro de terra que nos sobe ao nariz
quando a liberdade está perto o bastante
para o toque de prazer impoluto.

Eu queria em mim essa estrutura férrea 
e esse balanço. Quando a sordidez dos ventos 
desfolhassem a copa das velhas árvores,
quando o murro do raio estalasse,
no meu corpo sólido haveria
a substância do amparo seguro.

Por fim, já calejados corpo e alma,
no entardecer um blues, regar as plantas 
que antes quis duas, agora mais de trinta 
desbotando flores ordinárias - sem poemas,
só a vida quase concluída,
que demanda ainda o acabamento,
feita e imperfeita...

Por enquanto mantenho o trabalho que invento
perscrutando a areia lavada,
colecionando pedras para enfeitar substratos.

Um jardim esquecido



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Um jardim esquecido?
Melancólica pintura 
onde existe e não se vê 
uma pobre sepultura.

A morte real é o olvido.
A vida real é a procura.
A única certeza é o porquê
da dúvida futura.





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Perdem-se de vista 
os dias macilentos,
e a pós modernidade
compõe monumentos...

Suposta liquidez 
que hábil nos afoga,
onde o mundo é propício 
para aquele que joga.

Evade a nado raso
o resquício da essência,
a solidez da partícula,
a lótus da consciência...

Eu olho? Que desencontro!
Sou aquilo que ignora;
um protótipo de intento;
um agora fora da hora....

Shutdown



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Não é como um sentimento isolado. Um desconforto de espinho. Nem a dor de uma resposta sensorial ao tempo. Abro uma cova e enterro o fantoche da circunstância em que me encontrei. Desmembrado em mentiras cotidianas, esquivas emocionais que me garantiram um tempo a mais num ambiente onde o prazer é propor meios para ser violentado. 
Sempre aludindo aos restos, à margem da significância: um quase qualquer. No cativeiro da aleatoriedade cultivo inúmeras questões, no mesmo grupo enumero motivos para sorrir e as origens do universo. O açoite da Questão vai tatuando caminhos vermelhos sobre a pele daquilo que não é a alma, mas é o ter uma alma: talvez a essência plural dos que acreditam. 
Que presunção é exemplificar! Quando toda palavra é somente a intermediária da vontade. 
Seria simplória a resolução do infortúnio se a falta de ter algo fosse apenas a opositora do alívio. O caos torna eterna a realidade que o toca. Tudo é múltiplo.
Já pensei ser a vida o epicentro desse vórtice de insignificância, uma vida que se oculta atrás de uma porta sem chave - cabe a quem inventar essa chave?...
Com minha imagem anti-geométrica tomo assento numa cadeira deslocada do tempo, meu olhar distante procura um vislumbre sempre a frente, enquanto me desfaço rastro de luz, preso a um passado punitivo.
Quem me dera a inércia imaterial do vazio, entretanto, transbordo as probabilidades dos fatos, no mesmo segundo que pretendo o objetivo de um toque, também cogito amputar minhas próprias mãos. 
O que me aflige é a incerteza das coisas. A dúvida primordial, o infinito. Eu, que não posso me calar, que não posso dizer não e me negar a responder. Tenho que me entalhar conforme a norma - madeira pútrida, sem viço. Eu que vivo para significar o que para ti é simplesmente estar vivo.
Eu que sonho nunca ter existido. 

Masking



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Em cada escolha outra tentativa.
No curso frio a probabilidade
de ser suspeita a disparidade 
da nossa falha contraintuitiva...

Como em teu rosto a complexidade
torna-se oculta e contemplativa,
qual é o valor da tua identidade 
mesmo que seja ela punitiva?

Frequentemente esses impostores 
emulam gestos e assumem cores
despercebidos em sua maioria.

E eu controverso e divergente 
só aqui contigo sou transparente:
todo nudez - todo anomalia...

Bioma



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Verdes manhãs, filhas do inverno!
O pássaro compõe, o vento inspira
folheando esse Tolkien sempiterno 
como uns dedos a ferir uma lira...

Sou do triste idílio um subalterno
e da minha toca aponto a minha mira
e disparo ao silêncio e ele terno
dá de ombros, sorri e também suspira...

Oh, velhas deidades circundantes
deste vale onde nós somos amantes -
Montanhas que vigiam o meu coma.

Lentamente transfiguro-me com calma
decompondo minha pele, minha alma
sobre o leito pueril do teu bioma.

Despedido



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O retorno é um jazz fácil.
Suave voz abraça meus sentidos,
deixo o papel de Atlas para outro,
embora tenha os ombros sacudidos.

E dizes: o ruim se queima só.
E penso: tudo é relativo,
estando em Tróia não fui troiano,
como quisesse não estar vivo.

Perco-me no que é real,
mesmo que meus olhos vagos 
tentem, inúteis, decifrar
a propriedade dos afagos.

Mas esses olhos doentes 
que julgam seus movimentos
preferem ver as ondas do mar
onde dorme a alma dos ventos.

Avulsos Atípicos II



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I

Se a paz está no silêncio
abrir a boca é para as feras.
Se a ti minha boca alcançar,
minhas desculpas sinceras!

II

Quem me dera um interruptor
neste circuito de pensamentos!
Disse outra voz entre as emoções 
que aprendi com os desatentos.

III

Ensaio no espelho 
outro "bom dia" normal,
um "boa noite, meu chegado",
mas sempre fica sem sal.

IV

Você não poderá evitar 
o movimento robótico!
Você não poderá refutar 
outro argumento lógico!

V

Sobressaem os negativos 
que tendo a remoer,
por enquanto os positivos 
tendem a se esconder.

VI

O cântico dos sonhos 
ecoa nos místicos 
campos dos Anjos 
ansiolíticos...

Avulsos Atípicos



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I

É sobre mim este poema.
O perfume - WD40.
A consciência um sistema 
operacional dos anos 90.

II

Ando desse jeito
num passo enlatado,
se apresento um defeito
não fico triste, mas enferrujado.

III

Ensaio sorrisos em reflexos.
Será que sou humano?
Tento acompanhar a normalidade 
e esse é todo "Plano".

IV

A dúvida segue meu rastro
calma e constante 
encaro o seu rosto altivo,
incompleto e delirante.

V

Um verso ou melodia 
num ciclo que sempre ecoa,
um gesto que me transborda 
que sempre faço, embora doa. 



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Sempre esteve escrito 
sem entrelinhas, sempre 
esteve por cima dos panos
e nunca deixaste
teu olho vítreo e escuro 
repousar ali.

Sempre esteve fácil 
como a sua própria sombra,
próximo o bastante
feito uma sombra,
tão verdadeiro e falso -
uma sombra...

Sempre esteve impuro 
jogado às três cabeças 
do cão que nos olha de volta 
quando olhamos para o abismo,

Como um brinquedo 
passando de mão em mão
contemplando novos inícios 
de realidades esteve, o Sempre:

O deus, a singularidade, a questão...
O poema rolando a pedra morro acima.

Nem a tristeza ou alegria, nem o mal,
nem os pontos cardeais, nem o bem.

Só o sempre,
seu nome - um verbo 
sendo escrito.

No quadro que pintaste



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No quadro que pintaste 
na tela da tua mente
não sabes, mas trancaste 
a imagem diferente
do que presumo ser.
(E sendo, pouco insisto.)
Traçaste um bem querer 
nos moldes do teu visto.

Bem sei que a arte é falha 
e muita vez se engana 
transforma uma migalha 
numa fartura insana,
porém, minha alma viva,
me causa desconforto 
tua grande expectativa 
sobre este corpo torto...

Disponho, lastimável,
de estranhos arsenais 
beirando o inaceitável,
ao passo que os normais,
com tanta conjectura
tal qual posso inferir,
estão na longe altura 
que não me ouvem rir.

E mesmo assim colores 
a imagem que encarcera 
a antítese das dores 
que o tempo dilacera,
porém, oh bem amada
bendita sempre seja
tua mente que me enquadra,
tua boca que me beija.

Que rufem os tambores!



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Ora, se não sou o astro em mim,
afogado em mim,
intraduzível?!

Logo aquieto
as minhas intenções sublimes.
Nada em mim é sublime
e o que desprezo
é análogo à minha condição...

Ai, a vaidade da autodestruição!

Uma fração qualquer -
nem poeira cósmica,
nem barro edênico.
Em mim somente a consciência
me separa da selvageria estúpida,
mas não me livra
da estupidez de mentir,
porque sou selvageria estúpida.

Ora, se não sou o mais paupérrimo
dos lerdos, dos idiotas, crendo-me raro
entre enjeitados,
em meu cubículo mental?

Ai, que pedestal!...

Enquanto isso - Eis o sol
a estender suas fitas douradas
para a festa do verde idílico,
dos faunos e das ninfas,
e os deuses estruturais são saudados
para um novo ciclo de dor e de sorrisos,
dentro da Terra dos seresinhos "conscientes",
A Terra - esse cristal de areia
no segundo relativo
da ampulheta do Verbo.

Dia Útil



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I 6:00

Os observo do meu covil,
busco capturar o sentido
do que se propõe traduzível  
apenas sendo, como se bastasse
um gole de expresso
para o apontamento conclusivo.

Quanta similaridade física!
Nada mais... Há partilha no bando
e suas intenções são claras,
por mais medíocres que possam parecer.

Então balanço minha pedra afiada
forçando meu corpo ereto,
sobre a savana imponente caminho,
consciente, atônito e primitivo
bato meu cartão.

II 18:30

Nunca estarei entre meus pares.
Isso posto, invisto em reflexões
que mais ecos do que nunca
me trazem...

Nunca estarei entre meus pares.
Ao nascerem, meu corpo e consciência,
destituídos de ferramentas comuns,
apenas emulam a normalidade típica
dos típicos.

Nunca estarei entre meus pares!
Observe que nossa característica intrínseca
nos compõe solitários e tortos,
como, por deus, iríamos nos agrupar
contrariando nossos níveis de desinteresse
no que é o outro? No que faz o outro.
E é assim por acaso?

Nunca estarei entre meus pares?
Que presunção chocha, galopante
feito um soluço demente
resvalando sarjeta,
lambendo rastros de lama
golpista!...

Nunca estarei entre os meus pares...

Atípico



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De repente é tarde.
Desenho olhos confortáveis
psicografando temores sociais 
sobre a folha, sobre o tempo...

O café amargo só faz sentido 
quando a vida é doce.
Eu tento adivinhar padrões 
na irregularidade dos sentidos,

sempre mantive cativa
a analogia de que as pessoas 
são particularmente tão complexas 
quanto um universo.

Eu não entendo o universo.

Cansado de estar cansado de estar...



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Deveria eu silenciar
e ainda mais;
descendo até o íntimo Sheol
para me reencontrar
e esse eu que deveria ser
vir para a luz comigo,
altivo e desconcertante,

mas cada vez que abro a boca
é um declínio, uma miséria,
e já tão fundos
corriqueiros, meio mé, e meio
que cansa a autopiedade,
então deveria eu silenciar

como a pedra da cachoeira
rachada de água gélida,
como o ninho do pardal
ou algo mais bucólico
que me proponha a fuga
daqui.

Anedonia



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Arqueja sobre o chão meu corpo branco e sujo...
Ela me disse: "talvez seja obra de outro mundo,
algum obsessor que te quer ver um caramujo
que redundante arrasta o seu passado imundo..."

E ciente dos eflúvios que a mente enternece,
discuto com espelhos falhos, divergentes 
espectros do eu - do que inflama, do que apodrece,
do que cai em terra fértil entre muitos afluentes.

E virá a Desvontade com seu manco acólito,
aspergindo triunfante o odor do despropósito
da jovem floração que advém do meu rancor...

E definho abraçado à completa preguiça,
ela me diz: "é do espírito! Vai ao centro ou à missa!"
E minha alma esvanece com tamanho amor...

Calado



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Há muito que eu tomo
o mais grave e lúcido cuidado...
Há muito que tudo me ensina
a permanecer calado...

Do Caos



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Dancei com soldados no vale da Morte,
tornei-me despojo, tesouro e consorte 
do sangue aspergido, do velho transporte,
meu corpo era o nada no centro do Caos...

Eu tive nas mãos a humana trindade:
a Dor, a Esperança e a Finalidade.
Ouvi o seu canto, ergui sua cidade 
altiva e suspensa nas nuvens do Caos...

Da vinha do tempo colhi meu compasso,
bebi do silêncio discreto e devasso
do fim da canção que vibrava no espaço 
o som do meu nome nas cordas no Caos...

Dormi com vencidos no jardim da Vida,
um servo da lágrima por cada caída
e em todo levante era mais despedida 
no adeus do horizonte de eventos do Caos.

Autossabotagem



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Mediano. Nada incomum.
Insisto na praga e a prova
que busco, farto de mim, 
e nada mais me renova...

Despendo e inspiro e flexiono...
– Será que inda não me aprendi?
– Será que inda não me enfrentei?
– Será que não me arrependi?

Que mal, Davi, mas que ruim!
A sentença é prepotente,
sem recurso, sem defesa,
violenta e simplesmente

me atravessa nesse fosso
perfurando todo um dano...
Sempre um autossabotado
afeito a mais desengano.

Chevra Kadisha



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Teus olhos que me abriram buscando tal essência
reconhecida em velhas palavras de espírito,
do recôndito da alma ou eterna dissidência -
teus olhos duas Antares de força e conflito.

Atados pela carne ou pela decadência 
meus ossos encontraste em tudo que foi dito,
em tudo que se enterra por zelo ou influência
da urgência de ser único, mas indescrito.

E como julguei etérea, dessignificada
a origem destas ermas e incautas imagens
na oculta sordidez erguendo suas paragens!

Teus olhos que banharam essa terra ilhada,
afeitos ao meu corpo - comum subserviente
deste rito sagrado e contraproducente.

*

Eclesiastes 5:16

"Há também outro mal, assim esteja atento:
nossa nudez é igual na volta ou na partida,
que vale perseguir o rastro vão do vento
e entregar para o tempo os valores da vida?"





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Toda palavra foi comprimida
dentro de uma sentença reduzida
a uma descrença desequilibrada,
toda letra foi lida e pronunciada,
tudo que é sonoro foi soado 
e o que se deu ao uso foi usado.
Toda tristeza é hereditária 
e essa saudade latifundiária
do que nunca foi verdadeiro e meu,
eu acho que nem mesmo aconteceu 
o anoso mistério que foi revelado 
do que era evidente e significado. 
Tudo que é dor é indiferente 
à delicadeza do amor contundente,
e o líquido amparo da alma é inútil,
nem mesmo a poesia pouco sutil
te diz o que é teu e então te conduz
a qualquer ímpeto de morte ou de luz.
E tudo regido pelo discernimento
se mistura e se funde ao conhecimento,
nada mais é firme aos pés cambaleantes 
e nem mesmo a jura eterna dos amantes
pode enfim traduzir da língua mais ufana
o horror de pertencer à espécie humana.


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Acordo sob nenhum domínio 
e arrasto o olhar
para fora do meu corpo,
minha alma reproduz um estalar 
de dedos a cada ápice, num ritmo
quase vitorioso. Quem dera
ser em mim legítimo
o emprego dos dentes,
no entanto, só recebo notícias 
de um correspondente impreciso...
E me espalho
salvando as migalhas de fome,
a última luz, nobre, morre... 
o sonho
era apenas um nome
dado ao que foi impalpável -
onde as mãos sempre inconstantes  
abarcam todas as distâncias dos céus.


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Brilha a Lua!...
que intenso brilhar!

Noite nua,
quero te namorar...

Cai a estrela,
vem comigo sofrer...

Da janela,
o vento vem dizer:

"Liberdade,
sem prova de valor,

sei que há de
haver algum amor!"

*

Brilha, Lua.
Que inútil seu luzir...

Nessa rua
sozinho vou latir,

sem contexto
e nada a oferecer,

sem pretexto
até para morrer.

Bilhetes de geladeira



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Lembrar de não distribuir poesias.
Ninguém gosta de panfletagem...
além de sujar a cidade, suja
também qualquer dignidade.

*

Abolir a escravatura das interjeições.
Abolir a escritura das presunções.
Abolir a contextura das abolições.

*

Compartilhar um quadro de Van Gogh
só pra dar pinta de que sei de tudo.

*

Comparar-me a um bode
ou a um ipê amarelo desnudo.

*

Rimar amor dor flor calor cor
senhor torpor sabor penhor labor
tambor suor louvor transgressor
com Nabucodonosor...

*

Fazer um solene juramento
ao deus que assobia o vento.

*

Não encher o saco comigo mesmo.

*

Andar mais a esmo.

*

Proibir cigarros coadjuvantes.
Merecem um papel mais fino.

*

Ter a canalhice de cantar um anjo no Juízo Final.

*

Pegar um taxi e pedir ao condutor
que me deixe na esquina do Tempo.

*

Ensinar a um vira latas
qualquer coisa em latim.

*

Aprender o uso dos porquês
antes do desuso do português.

*

Praticar tiro ao alvo no bico de um seio.

*

Nunca tirar um brinquedo de uma criança,
assim como não exteriorizar meu ateísmo.

*

Roer meu osso sem rosnar para outros cães.

*

Dormir pra sempre.
Acordar pra nunca.

*

Pedir perdão por ter chegado com vontade de partir.

*

...pedir perdão porra nenhuma.

*

Ver-me um verme.

*

Não terminar sonetos com versos de ouro...
que tá na moda a ostentação.

*

Não dedicar poemas.
É constrangedor para as 3 partes.

*

Não compor esdrúxulos que caiam na significação popular.

*

Não explicar poemas. Antes nem escrevê-los.
Um poema não se explica nem para a mãe.

*

Consultar o oráculo de Apolo
no templo da Quinta da Boa Vista.

*

Trabalhar duro,
descansar mole.

*

Ser vulgar sem ser sexy.

*

Em caso de um dia acordar morto, seguir minha rotina como se nada tivesse me acontecido.

*

Parar com as drogas, sobretudo a pior, que é ver TV.

*

Parar de não fumar!

*

Parar.


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Trêmulo passarinho,
quem teu cantar minguou
e derrubou seu ninho?

Foi a chuva que magoou
tua asa estranha e torta
impossível de alçar voo?

Pia teu canto, que importa
as queixas da tempestade,
o vento cruel que te corta?...

Pia, que da mocidade
nada mais fica que a mancha,
um borrão na eternidade
que tão fácil se desmancha...

Emily Dickinson



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Ao vê-la eu diria certamente:
como esta mulher está doente!
Assim nadando raso, convicto 
me tornaria mais um pobre adicto.

Ela está longe, intocável - aceito
que para a morte ter o seu efeito
seja comum à versatilidade 
em nos tirar a força e a vontade...

Branca e reclusa, atenta a seu catálogo,
transcreve a flora do seu amor análogo 
à noite turva que liberta a melodia 
da solidão que lhe impõe melancolia...

Ao vê-la de mudez ser encrustada
eu lhe diria: Emy, é uma nova estada 
entre outros dias mais, consecutivos,
é uma pena que ainda estamos vivos.

Bloco de notas



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Prático.
Salvo em nuvem,
uma senha, login, corretor ortográfico.
Abro uma aba de inveja 
outra de receita low carb,
abro uma aba e te vejo
para esmurrar a distância.

Vou catando signos nesta reciclagem 
e os organizo em cores.
Ah, que vaidade,
quando encontrarem 
tanto desvalor descrito,
tudo arrumado assim
com a pretensa intenção 
de um romantismo póstumo...

Quem ainda escreve verso, meus deus?!
Faço isso, talvez,
para ter uma prova cabal 
de que ainda não sou um robô...
Numa aba a Segunda Guerra,
noutra The Animated Series,
numa aba a teu novo colorir,
noutra a música que eu ainda não aprendi.

Quadros



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1

Chega o trem. Não há lugar.
Uma após outra as estações...
Cotidiano. Objetivo. 
De quando em quando 
um peixe entre as redes sociais -
Sobre esses palcos nós somos 
as vítimas das comparações.
Que pena. Não há lugar.

Chega ao trabalho. Bate o ponto.
Tudo é normal, tudo. Tudo é tão barulhento.
Tudo é tão mudo. 
Não há lugar.
Está sorrindo, comendo, fodendo...
Está dançando e cantando, lendo, estudando...
Está mamando um estranho miserável,
está bebendo todas e como antes
chega o fim de semana. Bate o ponto.

Não há lugar? 
Em casa dorme e sonha,
acorda e banho, café e sai.
E chega o dia do salto e quem diria;
não era ela "a feliz"?

2

Então é a fama isso. O sucesso aquilo.
Todas as drogas, todos os vícios.
Novos paraísos efêmeros, alegorias
aos seus pés de barro...
O vazio - o deus cansado, irmão 
do tédio, da doença e do fim.
E a solidão traz a bandeja dos fracassos
para servir a sua alteza inútil.
E de repente, sem mais...
Logo ele que tinha tudo. Todas as drogas.
Todos os vícios...

3

Foi previsível. Depois da traição,
da vergonha, do medo.
Depois de ser enxotado - um cachorro 
sem previsão de nada. Depois
de todo aquele drama infinito e cômico.
Toda a família esperava.
Seria o quê? 
Um tiro? Overdose? Veneno? 
A corda e um nó?

Não teve graça. Só isso.
Nunca tem.

4

Sempre uma foto. Uma frase. 
Ela desafia o limite do positivismo. 
Que ingênua! Eles julgam.
A herdeira das máscaras carnívoras
que mastigam suas faces decadentes.

Sempre um bem adquirido, valores
da família de bens. Outro álbum 
impoluto e branco sobre a mesa,
outra carreira de pó adquirida
e o coração sedento 
por desejo mais humilde
cede ao fim.