8 de set. de 2023

Carta V

Olá, querida. Escrevo-te outra vez desta alcova enfeitada de múltiplas sinapses. Reflexivo fico a remoer o sentido da sua bondade. Não sabes, mas és inexistente! Mesmo propícia ao toque, és a imaginação provável da persona que se evadiu dos contos angelicais. 

Acompanho daqui os feitos sublimes do teu intelecto. Que bençãos tuas mãos, quando disforme meu corpo contorcia cada músculo, quando era adicto de um prazer desumano, a cabeça em golpes descontrolados, as manchas do impacto da culpa nas paredes acostumadas ao silêncio, ao vazio do espaço.

Que milagre tuas mãos. Quando o desejo de romper com a ordem levanta a horda de poetas cadáveres elusivos. O convite para dança, o contágio da música de Kali. Eu que não sei dançar, arrisco?

Nunca poderás me perdoar, pois eu duvido. Sonhar-te real sob a abóbada celeste é dolorido. Tu, encrustada do que me foi negado, não compreendes quão grave é a maldição desse estado. 

O quanto ainda pretendo lamentar enquanto a vida derrama sobre lábios preteridos o mel ideal dos sonhos? 

Que horror as suas mãos de acalento enquanto anseio o destino punitivo onde alimento meu adorável monstro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário