19 de ago. de 2023

Shutdown

 
Não é como um sentimento isolado. Um desconforto de espinho. Nem a dor de uma resposta sensorial ao tempo. Abro uma cova e enterro o fantoche da circunstância em que me encontrei. Desmebrado em mentiras cotidianas, esquivas emocionais que me garantiram um tempo a mais num ambiente onde o prazer é propor meios para ser violentado. 
Sempre aludindo aos restos, à margem da significância: um quase qualquer. No cativeiro da aleatoriedade cultivo inúmeras questões, no mesmo grupo enumero motivos para sorrir e as origens do universo. O açoite da Questão vai tatuando caminhos vermelhos sobre a pele daquilo que não é a alma, mas é o ter uma alma: talvez a essência plural dos que acreditam. 
Que presunção é exemplificar! Quando toda palavra é somente a intermediária da vontade. 
Seria simplória a resolução do infortúnio se a falta de ter algo fosse apenas a opositora do alívio. O caos torna eterna a realidade que o toca. Tudo é múltiplo.
Já pensei ser a vida o epicentro desse vórtice de insignificância, uma vida que se oculta atrás de uma porta sem chave - cabe a quem inventar essa chave?...
Com minha imagem antigeométrica tomo assento numa cadeira deslocada do tempo, meu olhar distante procura um vislumbre sempre a frente, enquanto me desfaço rastro de luz, preso a um passado punitivo.
Quem me dera a inércia imaterial do vazio, entretanto, transbordo as probabilidades dos fatos, no mesmo segundo que pretendo o objetivo de um toque, também cogito amputar minhas próprias mãos. 
O que me aflige é a incerteza das coisas. A dúvida primordial, o infinito. Eu, que não posso me calar, que não posso dizer não e me negar a responder. Tenho que me entalhar conforme a norma - madeira pútrida, sem viço. Eu que vivo para significar o que para ti é simplesmente estar vivo.
Eu que sonho nunca ter existido. 

6 de ago. de 2023

Carta III

Que esta lhe encontre em boa saúde. Trago as novidades frias, as palavras práticas dos delírios mais joviais. Tiros de advertência. Minha voz inelegível procura um intérprete para velhas alucinações, arrasto o dorso pelo charco das indagações inúteis, como igual inútil.
Que delicadeza, não é? Não há escrúpulo em se esconder por trás dessas miragens indescritas, porém aqui e ali tomo um gole a mais da taça de cicuta na mesa da realidade. Beijarei outra vez teus cabelos, solidão? Outro soneto para ti, morte?

Eis outra era. Erguem-se novas divindades com seus pilares encrustados de estrelas sobre o tecido das horas, seus olhos quasares que lacrimejam o plasma indiferente ao significado do medo. O assombro das potências dobrado, cativo de um verso, enquanto me derramo todo estupidez sobre alabastro edênico dos seus seios...
Neste trânsito insisto na expulsão da alma, convoco a magia espalhando essências pelo quarto sépia. Estendo os dedos vencidos pelo vazio deixado por seus lábios. Amor, tu que não és o teu corpo, mas um universo vivo.