24 de ago. de 2022

Olho-te, lentamente, 
Em teu rosto o longe branco 
Cetim, em teu rosto o mármore 
Da arte romana e trágica...
Nada mais que solidão.
Sozinha assim, com suas fotos,
A tua intenção é tão pura,
Translúcida...
Te falta confiança? 
A tua imagem é o que se produz
Do seu intelecto, 
Mas distante... 
Não me leve a mal, 
Estou a par que todo humano caga, 
E tem seus medos, obsessões...
Olho-te, atentamente, meu eu comum 
Ensaia o momento e o romance.
Sorrio...
Não sei quem você é, meu bem: 
Ave de rapina. Teu pio - mal agouro
Ecoa noite adentro e morre. 
E me mata...
Te falta mais idade?
Eu arranquei as tuas folhas
Naquele sonho tardio, muito embora
Estivesse nua com toda essa palidez,
Eu só te via o cérebro...
Olho-te há tempos, não sei o que vejo
Além do teu espelho e penso:
A quem ela quer convencer?
Talvez conhecesse a mesma dor
De não poder repartir comigo 
Esse presente, esse instante... 

14 de jul. de 2022

Caderno

Quando acendo o meu cigarro,
enquanto espero na estação 
o semiexpresso atrasado
e fico olhando para o chão,
sempre chega um aluado
e me estende a sua mão,
às vezes pede o meu cigarro
e às vezes pede uma canção.
Então eu abro meu caderno 
e faço alguma anotação
com uma cara de coitado
que não aprande a dizer não!
Ela estudou gastronomia,
mas trabalhando de atendente,
tem que ajudar sua familia
e seu irmão que é delinquente,
sai todo dia à mesma hora,
tem uma folga por semana
e quase sempre ela demora
pra levantar da sua cama...
Então eu abro meu caderno
e faço outra anotação,
não sei porque, mas levo a sério
o prêmio de participação!
Ele já leu filosofia,
não acredita na TV,
faz tudo certo todo dia
e às vezes tenta se entreter. 
Já aprendeu que ter razão 
não é o mesmo que ser burro,
escolhe sempre o mesmo vagão 
o mesmo banco e o mesmo empurro...
Então eu faço a mesma coisa,
você já sabe o que que é,
pois todo mundo tem um vício:
um cigarrinho com café...