24 de nov. de 2023

Vazio

Sento. Já não espero nada. Pouco importam os itinerários, horários e conduções. Fazia tempo que em meus olhos o ardor do sal não dava as caras. Eu tenho chorado como antes, pelos cantos, por dentro. Engasgo com teu nome na minha boca, cuspo sangue, sorrio... 
É tão triste, amor. Qualquer coisa que ponho aqui eu digo: "é arte". No fim das contas eu vou morrer sozinho, de orgasmo, transando com um anjo nas portas do paraíso. Espero que Deus assista tudo bem quietinho.

Perguntei à doutora: "é normal cogitar pular de ponte, atravessar rodovia de olhos fechados?" Tão jovem a doutora, eu vi que empalideceu de susto, típica burguesa caridosa. Eu fui muito cruel? "Procure um especialista! Mas estamos marcados, até a próxima!" Tão branca a doutora, nunca pôs prego na chinela.

Ligam-me. Atendo. Do outro lado: "Alô, Ivan, Ivan, por favor!" Respondo: "é engano, desista do Ivan!"

Eu digo ao meu amor que estou vazio. Tantas vezes estive vazio que soa uma típica piada de espectativa. Ele vai dizer que existir é um peso, que não há sentido no que não deve ter sentido, que consciência isso, filosofia aquilo, psicologia aqueloutro, que já dizia no livro tal, na página tal, no poema tal que o foda-se tem que ser dado de uma vez, bem no meio da tua cabeça inútil, no meio dessa reprise arrastada...

Agora eu posso deitar e esquecer. Só por um momento esquecer. Larguei o álcool, o cigarro. Eu posso deitar e esquecer...

Lembro-me quando fazia versos sentado na janela da casa abandonada. Eu imitava o Baudelaire, o Cruz e Sousa, o Rimbaud, o Augusto era mais difícil, devido ele ser muito dos anjos. Sentava meu sobrinho na sala e pedia silêncio, eu recitava:

"Quero amar, amar o mar,
tanto amar que me afogar..."

Eu digo ao meu amor que estou vazio... Sento, já não espero nada. Nem o riso vem da espectativa. Não existe piada. Não existe poema. Só o vazio.

Cada um morra com o seu. 

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