28 de jan. de 2023

Bilhetes de geladeira

Lembrar de não distribuir poesias.
Ninguém gosta de panfletagem...
além de sujar a cidade, suja
também qualquer dignidade.

*

Abolir a escravatura das interjeições.
Abolir a escritura das presunções.
Abolir a contextura das abolições.

*

Compartilhar um quadro de Van Gogh
só pra dar pinta de que sei de tudo.

*

Comparar-me a um bode
ou a um ipê amarelo desnudo.

*

Rimar amor dor flor calor cor
senhor torpor sabor penhor labor
tambor suor louvor transgressor
com Nabucodonosor...

*

Fazer um solene juramento
ao deus que assobia o vento.

*

Não encher o saco comigo mesmo.

*

Andar mais a esmo.

*

Proibir cigarros coadjuvantes.
Merecem um papel mais fino.

*

Ter a canalhice de cantar um anjo no Juízo Final.

*

Pegar um taxi e pedir ao condutor
que me deixe na esquina do Tempo.

*

Ensinar a um vira latas
qualquer coisa em latim.

*

Aprender o uso dos porquês
antes do desuso do português.

*

Praticar tiro ao alvo no bico de um seio.

*

Nunca tirar um brinquedo de uma criança,
assim como não exteriorizar meu ateísmo.

*

Roer meu osso sem rosnar para outros cães.

*

Dormir pra sempre.
Acordar pra nunca.

*

Pedir perdão por ter chegado com vontade de partir.

*

...pedir perdão porra nenhuma.

*

Ver-me um verme.

*

Não terminar sonetos com versos de ouro...
que tá na moda a ostentação.

*

Não dedicar poemas.
É constrangedor para as 3 partes.

*

Não compor esdrúxulos que caiam na significação popular.

*

Não explicar poemas. Antes nem escrevê-los.
Um poema não se explica nem para a mãe.

*

Consultar o oráculo de Apolo
no templo da Quinta da Boa Vista.

*

Trabalhar duro,
descansar mole.

*

Ser vulgar sem ser sexy.

*

Em caso de um dia acordar morto, seguir minha rotina como se nada tivesse me acontecido.

*

Parar com as drogas, sobretudo a pior, que é ver TV.

*

Parar de não fumar.

*

Parar.

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